Comemoração na Sorveteria,
esquina da Barata com a Sta Clara
Dose alta acaba rápido
Não demore a chegar
Não vou esperar
Vivo, vivíssimo
Intento ser, à minha maneira, um estóico prático, mas a indiferença como condição de felicidade nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que procuro obstinadamente o sossego do espírito, certo é também que não me libertei nem pretendo libertar-me das paixões. Trato de habituar-me sem excessivo dramatismo à ideia de que o corpo não só é finível, como de certo modo é já, em cada momento, finito. Que importância tem isso, porém, se cada gesto, cada palavra, cada emoção são capazes de negar, também em cada momento, essa finitude? Em verdade, sinto-me vivo, vivíssimo, quando, por uma razão ou por outra, tenho de falar da morte…
n'O Caderno de Saramago em 18/11/2008
PS.: Ele está chegando no final-de-semana.
Ontem, voltando de São Paulo, pensei em escrever sobre as nuvens, mar de nuvens num céu azul límpido, calmo, tranqüilo, descortinando a grandeza do infinito. Desisti. Esse foi o céu da ida. O céu da volta era cinzento e nebuloso. Turbulências. Eu sempre me pergunto qual a razão do meu trabalho. O porquê de eu fazer o que faço e se isso tem algum propósito (ou se deve ter um propósito). Após quase sete anos embrenhado na difícil seara da Ciência, após muito trabalho, alguns artigos publicados e um doutorado quase terminado, volto a me perguntar: por que eu faço o que faço?
Sempre ouvi, desde o primeiro dia de trabalho, sobre a minha capacidade, inteligência e perspicácia. E sobre como eu deveria (ou deverei) contribuir para mudar o mundo. Eu sempre duvidei disso. Continuo duvidando. Enfim... O que ninguém nunca me explicou direito é como eu vou fazer isso.
É notório que Ciência não é prioridade nesse país. Todo mundo sabe disso. E a despeito das coisas terem melhorado um pouquinho, o futuro é negro. Gente muito mais experiente e capaz que eu também já disse isso. Eu vejo todo dia as pessoas defendendo suas teses, completando suas formações, buscando um grau de aperfeiçoamento cada vez maior, para no fim, tornarem-se desempregadas. Vocações "desperdiçadas" em nome da sobrevivência. Porque, a despeito do amor pela Ciência, cientista precisa comer, pagas contas, aluguel, supermercado, eventualmente o cinema, ir ao teatro, comprar livros... Às vezes, eu acho que as pessoas esquecem disso.
O motivo desse discurso todo é que ontem fiz uma entrevista. Para uma bolsa internacional que financiaria meu pós-doutorado no exterior, caso eu a conseguisse. No meio da entrevista, fui inquirido a convencer meus entrevistadores de que após concluir este pós-doutorado, eu retornaria ao Brasil. Eu, contrariando todo o bom-senso que se esperaria numa situação como esta, respondi que o Brasil é que deveria me convencer a voltar. Não é preciso dizer que essa resposta reduziu significantemente minhas chances de conseguir essa bolsa. Por outro lado, uma questão surgiu na minha cabeça: o que o Brasil espera de mim? Acredito que a resposta que esperavam de mim é que eu voltaria ao Brasil independente de qualquer coisa, com emprego, sem emprego, com ou sem condições de trabalho dignas, com ou sem perspectivas de um futuro produtivo na Ciência, etc. Promessas. Queriam ouvir promessas de amor eterno, ufanismos, idealismos, que, I'm sorry (a entrevista era em Inglês), eu não pude prometer. Recusei-me a prometer, a mentir, a dizer o que eu não penso, e sinceramente não me arrependi e não tentei "consertar" a situação. Cansei de compactuar com a maluquice alheia. Bastam as minhas.
O que vai acontecer depois disso eu não sei. O que sei é que, pelo menos, hoje eu me sinto livre.
Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread upon my dreams.
W.B. Yeats (1865–1939).
in "The Wind Among the Reeds", 1899.
Picture: "The young William", 1877 (attributed to John Butler Yeats)
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
E em verdade estou morto ali.
(Manuel Bandeira)
El suicida
No quedará en la noche una estrella
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.
Jorge Luis Borges
"La rosa profunda". In: _____ Obras completas.
1975-1985. Vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989, p.86.