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sábado, 26 de setembro de 2009

domingo, 14 de junho de 2009

Alívio

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Odeio domingo de manhã. Odeio domingo de manhã nessa cidade onde nem a folha da azaleia, que dá para a minha janela, balança com o vento. Isso é mentira. Porque odeio domingo de manhã em qualquer lugar. Mas aqui, parece que todos os defeitos do domingo de manhã são ressaltados. Nem ter dormido com Borges e acordado com Clarice diminuiu meu ódio mortal do domingo de manhã. Aliás, só aumentou. Porque, aparentemente, Clarice também tem ódio e é pior que o meu. É do domingo inteiro. Meu ódio do domingo pelo menos diminui no final do dia. Aindo acho que uma segunda-feira é só uma segunda chance. Segunda chance do que? Sei lá. De acontecer o que não sei o que é que deveria ter acontecido na semana passada e não aconteceu. Pode ser? Tá bom assim? Saco de vida em que se tem que explicar tudo, justificar tudo. Parece romance. Romance sempre tem recheio para dar conta de explicar tudo. Romances são cansativos, já disse Borges. Muito melhor viver num conto. Não tem de explicar nada a ninguém. Tem espaço suficiente para toda a complexidade e nenhum espaço para explicações. O leitor entenda como quiser. E se não entender nada, melhor ainda. Antes sinta, que entenda. Ou que só entenda depois de sentir. Ou que só se preocupe com isso muito depois de sentir. Muito melhor. Já passa do meio-dia. Alívio.
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sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Perto do Coração Selvagem


"...sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado correndo o futuro! o que eu disser soará fatal e inteiro! não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque então viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas, ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo selvagem."

Clarice Lispector
(Perto do Coração Selvagem, 1944)