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sexta-feira, 29 de maio de 2009

Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
.
Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
.
Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte
–será arte?
.
Ferreira Gullar
(Na vertigem do Dia, José Olympio Editora, 1980)
.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Coito

.
Todos os movimentos
.......do amor
.......são noturnos
mesmo quando praticados
.......à luz do dia
.
Vem de ti o sinal
......no cheiro ou no tato
que faz acordar o bicho
......em seu fosso:
......na treva, lento,
......se desenrola
............................e desliza
em direção ao teu sorriso
.
Hipnotiza-te
com seu guizo
........................envolve-te
em seus anéis
corredios
........................beija-te
........................a boca em flor
e por baixo
...com seu esporão
...te fende te fode
.
...e se fundem
...no gozo
depois desenfia-se de ti
.
...a teu lado
...na cama
...recupero minha forma usual
.
Ferreira Gullar (Muitas Vozes, JO Editora, 1999)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Lição de um Gato Siamês


Só agora sei
que existe a eternidade:
é a duração
......finita
......da minha precariedade

O tempo fora
de mim
.............é relativo
mas não o tempo vivo:
esse é eterno
porque afetivo
- dura eternamente
...enquanto vivo

E como não vivo
além do que vivo
não é
tempo relativo:
dura em si mesmo
eterno (e transitivo)

Ferreira Gullar
(Muitas Vozes, José Olympio Editora, 1999)

sábado, 15 de novembro de 2008

Um instante

.
Aqui me tenho
como não me conheço
........nem me quis

sem começo
nem fim
.........aqui me tenho
.........sem mim

nada lembro
nada sei
à luz presente
sou apenas um bicho
.......transparente

Ferreira Gullar
(Muitas Vozes, 1999)