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domingo, 15 de março de 2009

Antes tarde do que nunca


Ontem fui ver o Palavra EnCantada no Espaço. E depois, pensando no filme, me lembrei que João Cabral de Melo Neto nunca havia passado por esta humilde sorveteria. Lastimável omissão deste sorveteiro com o grande poeta, que corrijo agora com a ajuda do Cordel do Fogo Encantado.
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Os três mal-amados
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Joaquim:
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O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
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O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
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O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
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O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
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Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
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O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
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O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
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O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
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O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
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O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
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O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
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João Cabral de Melo Neto.


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Feliz Natal?


"Todas as famílias felizes se parecem. As famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira." Ninguém duvida de Tolstoi, na abertura da sua Anna Kariênina. Mas precisa ser tão infeliz assim? Ontem fui ver Feliz Natal, o filme do Selton Mello. Não era a minha intenção, pretendia ver Terra Vermelha, mas não havia ingressos para a sessão no horário. OK. É um ótimo filme, com grandes atuações. Mas é infelicidade demais. E todas aquelas tomadas e closes. Angustia. Dá vontade de ir embora no meio. E ladeira abaixo, sem chance de alguém jogar uma corda. Sinceramente, é tão deprê que não consigo nem ficar comovido. Caí no conto do horóscopo, que mandou fazer tudo sozinho no domingo. Fui ao cinema sozinho. Perigo. Não veja essa filme sozinho (deviam por esse aviso na porta). Leve alguém para abraçar no final e lembrar que tanta infelicidade assim junta só deve haver na ficção. Haja sorvete de morfina.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Matrix, mirtilos & beijos roubados


Escrevendo em um cyber na galeria dos antiquários. Quarenta e oito horas sem computador dão a medida exata do novo paradigma da solidão humana. Se você não está conectado ao mundo virtual, você não existe. Matrix? Chove. Meus tríceps doem, mudou a série da academia. Parei no supermercado. Encontrei, surpreso, blueberries, que evocaram sonhos perdidos no tempo. Pareciam tão próximos e reais. Durou pouco. Também lembrei do filme, "My blueberry nights", aquele do beijo roubado, da espera e do retorno. Fico pensando em que fase estou - o beijo roubado, a espera ou o retorno. Melhor não pensar nisso. Melhor comer mais uns blueberries. Nem de longe são doces como os que se come no café-da-manhã em New York, mas são bons assim mesmo. Como pela lembrança, não pela doçura. Saudade filha-da-puta de alguém que não sei quem é, nem se existe, nem se é lugar, gente ou bicho. Criaturas imaginárias. Só resta um blueberry. Filho único. E agora? Guardo e deixo a realidade estregá-lo? Ou como e fico com a lembrança do que foi um dia? Tarde demais. Batalha perdida.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Amores, Traições, Objetivos & Barcelona


Ai, ai... Domingo agitado. Prova louca de manhã, encontro inesperado à tarde, Vicky Cristina Barcelona à noite. Gato miando, casa bagunçada, pilhas de livros para ler (um prazer) e uma prova (definidora) em dez dias exatos. Esse antibótico me deixa nauseabundo. Psiquiatria eu te amo. Casa comigo e viveremos felizes para sempre.

Traições. Ando pensando em traições com uma certa freqüência. Como reagir quando alguém te quer mas é comprometido? É melhor ser Vicky? Ou Cristina? María Elena? Certamente o melhor é se mudar para Barcelona. Vicky Cristina Barcelona é novo filme de Woody Allen. Como sempre, o mote são relacionamentos e convenções sociais. Filmaço, amei. Ri. Mas saí com certas dúvidas do cinema. Vicky ama o pintor, mas não tem coragem de largar o marido chato (prá caralho) prá viver a loucura com o pintor. Cristina ama (ou amou em algum momento) o pintor, larga tudo para viver com ele. E María Elena ama o pintor. Que ama María Elena. Mas María Elena e o pintor não dão certo. Falta alguma coisa. Falta Cristina. Não, não é Almodovar. É Woody Allen - em grande forma. O desenlace do polígono amoroso vá descobrir no cinema. O que me interessa são dois pontos. Primeiro: dá prá atingir um equilíbrio entre convenções e interesses? Segundo: Cristina não sabe o que quer, mas sabe bem o que não quer. Descartar o que não quer é o que move sua vida. Insatisfação crônica? É possível saber o que se quer?

Pensei sobre o assunto no metrô, voltando prá casa (perdi a estação...). Cheguei à conclusão que tenho sido mais Cristina que Vicky. Ando descartando o que não quero, mesmo sem saber o que quero. Não sei se isso é saudável. Não sei se isso é socialmente aceitável. Ok, não sei porra nenhuma. Fazer o quê? Convenções são muito chatas. Acho que eu não nasci prá ser linha reta.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Orquestras e Orangotangos

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Então, já viu? São ótimas alternativas ao chatíssimo 007!
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Vi o "Orquestra" na pré-estréia oficial, graças a minha amiga superantenada e bem-relacionada brunamaria. Todo o burburinho, flashes e presença do elenco e do homem sem o qual - nas acertadas palavras da produtora - o filme não existiria, maestro Mozart Vieira. Muita emoção, não só pela história em si, verídica, mas pela perspectiva de que ainda há esperança e gente que faz o mundo valer a pena. Saí do Odeon pensando: "tá vendo? dá prá mudar o mundo sim!" É só começar do seu próprio mundo, ao invés de tentar o mundo dos outros primeiro.
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Os "Orangotangos" vi ontem. Confesso não que conhecia o livro nem o autor, Paulo Scott, nem nunca tinha ouvido falar no filme. Indicação do bonequinho d'O Grobo, sempre um perigo! Mas foi uma experiência interessante. Um filme "sem" cortes - mas com muitos recortes - em que basta passar pela tela para se tornar personagem. Visceral. Depois fiquei remoendo o filme enquanto bebia o 5º expresso do dia, olhava a rua, gastava um pouco mais do dinheiro que não tenho comprando uns livros...
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PS.: Durante a semana tem cinema nacional a R$4.00 para todos, inclusive os que não usam carteirinhas falsas. Política de resgate de público da ANCINE. Tá n'O Grobo de hoje.