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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Também já fui Brasileiro

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia pertubou-se.

Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meu inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

C.D.A
(Alguma Poesia, in Poesia Completa,Ed. Nova Aguilar, 2006)

quinta-feira, 11 de junho de 2009

O enigma da poesia

"Sempre que folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo as obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas. Quero dizer, eles escreviam sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa, e não o que é em realidade: uma paixão e um prazer. Por exemplo, li com grande respeito o livro sobre estética de Benedetto Croce, em que aprendi que poesia e linguagem são uma "expressão". Ora, se pensamos na expressão de algo, tornamos a cair no velho problema de forma e conteúdo; e se pensamos sobre a expressão de nada em particular, isso de fato não nos rende nada. Assim, respeitosamente recebemos essa definição e passamos adiante. Passamos à poesia; passamos à vida. E a vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia - a poesia, como veremos, está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante."
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Jorge Luis Borges
(Esse Ofício do Verso, Ed. Cia das Letras, 2007)
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domingo, 24 de maio de 2009

As sem-razões do Amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
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Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
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Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
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Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor
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Carlos Drummond de Andrade
(Corpo, in Poesia Completa, Ed. Nova aguilar, 2006)
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sexta-feira, 1 de maio de 2009

De manhã...

quando acordo assustado, ainda não sei o que de fato ocorreu, o que de fato foi sonhado. Viro e vejo que acordei sozinho. A memória de que você me disse "adeus" retorna. Essa é uma palavra muito forte, principalmente para se dizer na noite escura, após tanto afeto, após tanto prazer. Após, com tanta dificuldade, dizer o que você queria ouvir: estou apaixonado. Diga até qualquer hora. É melhor e mais verdadeiro. Lembre-se da música. Vai saber? "Só porque disse que não me quer, não quer dizer que não vai querer..." Queria tanto que você entendesse que eu vivo o momento. Com toda a intensidade do mundo eu vivo o momento. Mais que tudo eu preciso viver o momento. Porque não sei se continuarei a respirar no instante seguinte. Não, não é um tango argentino. Mas poderia ser. Eu sou um ser que ama intensamente, que vive intensamente, que não tem medo de sofrer e por isso mesmo não tem medo de amar imensamente. Eu me ofereço inteiro e peço pouco em troca - foi isso o que eu quis dizer e não consegui explicar. E arco com as conseqüências de ser assim - elas não são poucas, você sabe. Pode me chamar de inconsequente. Mas é tão melhor assim que viver uma vida cinza. Por isso talvez eu ame tanto os poetas. Eu acredito em Vinícius. Eu acredito em Gullar. "Só agora sei que existe a eternidade: é a duração finita da minha precariedade". Eu queria que você pudesse viver também só o momento. Sem preocupações. Sem expectativas. Sem ter medo. Só o agora, enquanto for bom. Deixar que o futuro fosse construído passo-a-passo, como uma sucessão de instantes felizes que podem se prolongar - únicos - indefinidamente. Quase uma utopia: um para sempre feito a cada dia. A medida da eternidade seria a medida do nosso prazer. Enquanto ele durasse. E quando acabasse (se um dia acabasse), teríamos certeza de que se não foi eterno (posto que era chama), foi infinito enquanto durou. E diga o que quiser, mas você sabe - tão bem quanto eu - que nosso prazer ainda não terminou.