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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Frenesi de Agosto


Com muito desgosto, imensa saudade, coração apertado e um pouco de esperança no bolso, começou agosto. Sem casa, sem gato, sem piano, sem amor, sem amigos. O Bloco do Eu Sozinho saiu comigo mesmo. Mesmo sem nada concreto, fui atrás dos poetas. Eles mudaram de língua. Só falam comigo em Inglês. E esperam que responda à altura. Bishop. Yeats. Keaton. Dickson. Whitman. Antes de achar uma casa, achei um sebo (oba!) e uma boa livraria. Requisitos fundamentais para quem não gosta de comprar livro pela internet. Não foi difícil encontrar um lugar para morar. 2144 California St NW. Onde mais poderia morar senão na unica saída do metrô onde está gravado um verso de um poeta? "I celebrate myself, and sing myself, and what I assume you shall assume. For every atom belonging to me as good belongs to you." Difícil foi conter as saudades da Rua Tonelero, da esquina do metrô, da academia lotada, do sorvete de amarena da esquina da Santa Clara, do Café no Santa Satisfação. Dos amigos. Dos amigos. Dos amigos. Do seu sorriso e das suas mensagens no final do dia também. Do miado chato do meu gato pardo quando acorda com a cara amarfanhada. Do som do meu piano com seu dó mais grave desafinado e um leve soar metálico quando tocava Debussy. Viagens e surtos. Sagalusa e o Diário de Camus. Em alguns momentos confesso que surtei. Descobri a definição de estrangeiro. Fiquei assustado. Nada que o correr dos dias e as saídas noturnas não amenizassem. E com uma casa nova tudo ficou mais fácil. Depois, conseguir móveis. Finalmente as malas desfazem-se. Os livros aparecem. Tudo fica mais familiar, embora ainda falte muita coisa para chamar isso de lar. Não sei porque, mas o diabo mora nos detalhes vermelhos da minha sala. De vez em quando a gente conversa. Ele avisa: fica tranquilo que essa nova vida está só começando; vem muito mais por aí.
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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Frenesi de Julho

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Se o frenesi não fosse literário, mas sexual, julho teria sido um orgasmo múltiplo. Não que tenha sido recheado de leituras excitantes - não li quase nada. Mas foi tanta coisa ao mesmo tempo que ainda estou meio atordoado. Flip. Paraty antes de partir para lembrar. Manuel Bandeira. Uma semana só na companhia de amigos, livros, música e sonhos. Quem precisa de algo mais? Sorvete de morfina. Um biscoito da sorte chinês e profético. Muitos livros na bagagem de volta. Metade do peso devia-se ao Lobo Antunes. Como é belo o Lobo Antunes. E profundo e poético e infinitamente belo. A outra metade a alguns poetas. Companheiros de viagem. Mal deu tempo de desfazer a mala de Paraty - desfazer não, porque não desfaço malas. Elas que desfazem-se sozinhas. Viram pó. Mal as malas desfizeram-se e já era hora de reunir o pó novamente. Despedidas. Despedidas. Despedidas. Eu odeio despedidas. Eu não sei partir. Não aprendi a lição com o aeroporto - talvez por nunca ter morado perto de um. Não sei partir sem medo, sem remorso, sem saudade. Mas só chorei duas vezes. Sou econômico no choro. A primeira, quando me despedi de meus pais. A segunda, lendo um poema para alguém que, sem querer, mas muito feliz, acabei por amar. Aquele mesmo poema sobre a arte de perder, que volta e meia bate na minha porta. A última semana foi difícil. Dizer adeus. Reunir meus pedaços mais íntimos e enfiar numa mala (três...) até não caber mais uma migalha. Tentar, em vão, carregar tudo. Não cabe nas malas e dá vontade de chorar mais. Mas o choro não vem e tanta coisa precisa ser feita que não há tempo para chorar. Último compromisso no Rio: consulta com a astróloga. Uma amiga me diz que "eu fui à astróloga" é uma frase incompatível com a minha boca. Mas eu fui. Juro. E ela mandou eu parar de sofrer. Meu mapa natal aponta para o sucesso e a felicidade. É só não atrapalhar. Chega o dia. Correria. Mal dá tempo de pegar mais uns livros, tocar uma última música ao piano (e lembrar de quando só havia a música e nada mais importava), dizer adeus aos amigos mais queridos. Ia deixar uma carta de boas vindas para o Gato de Alice, num envelope amarelo, mas não deu tempo. Nem de dizer o quanto ele mudou a minha vida. Olho para Borges e eu sei que ele sabe que eu estou indo e que dessa vez, quando a porta fechar, eu não vou voltar por um longo tempo. Ele me olha com seus olhos amarelos e severos. Nós nos entendemos por olhares e miados desde o primeiro dia. Diz que não me preocupe e que cuidará de tudo até eu voltar.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O Frenesi de Junho

Por incrível que pareça o frenesi de junho não foram os livros. Foi a estante. Eu sempre tive tantos livros e nunca tive uma estante. Agora eu tenho. Por poucos dias. Logo, voltarei a ter livros sem estante. Empilhados. Desorganizados. Muito usados e relidos. Por esse breve espaço de tempo há a prateleira dos poetas, a dos filósofos, a dos velhos e dos novos brasileiros, a de Borges e a de Clarice. Simone de Beauvoir olha para um horroroso Jean Paul-Sartre com um cachimbo - téte-a-téte. O amor é cego. Mário Quintana bate papo com Drummond. Bandeira elogia Vinícius e Ferreira Gullar, ainda jovem, não se sente parte do grupo e insiste em ficar caindo de lado. Foucault, por algum motivo obscuro, foi parar em cima da Lógica da Pesquisa Científica. Daqui, de onde escrevo, não consigo enxergar Platão, mas sou insistentemente observado por Freud em vinte e quatro volumes que gritam: análise! análise! análise! As lésbicas modernistas estão deprimidas e se reuniram do outro lado, viradas para o piano. Gertrude Stein talvez não tenha gostado de virar poema. Ou talvez seja porque não gostam de ver meninos dormindo pelados. E Clarice, de ponta-cabeça, que me olha com uma cara séria, como quem diz: tá me lendo? por quê? tá achando que me entende? Eu digo a eles que aproveitem a mordomia e conforto da estante. Aproveitem o direito de ter um lugar só seu, especialmente seu, mesmo que seu por acaso. Em breve só verão o fundo do malão preto e sem graça, sem ar e sem vida. E quando voltarem a respirar, estarão todos - inclusive eu - muito longe de casa. Sem problemas. A dona do iceberg imaginário por um instante se vira e me lembra que a arte de perder - por mais sério que possa parecer - não é nenhum mistério.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Frenesi de Maio

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Maio chegou e mandou o verão definitivamente embora. Começou com uma chuvinha e terminou em temporal. Só da janela para fora. Do lado de dentro o clima continuava quente e inspirado por muita poesia. Pela porta entraram um gato e alguns poetas. Drummond e sua Poesia Completa (finalmente achei), Ana C., A teus pés, e Guardar, do Antonio Cícero. Até voltei a arriscar uns poemas... O mês seguiu entre encontros e desencontros. Na expectativa da escrita de uma tese de doutorado que não saía (ou do encontro que não ocorria), passei pelo Baratos e achei Cartas de Perto do Coração, correspondência entre Clarice e Fernando Sabino. Alguns contos, Trocando em Miúdos, inspirados por canções do Chico, e Clarice, Felicidade Clandestina e os Laços de Família. No meio do mês, já desesperado porque a tese recusava-se a passar para o papel, cansei dos contos e dos poemas. Saí em busca de um romance. Mas eles andam escassos no mercado e acabei voltando de mãos vazias. Resolvi seguir meu próprio romance, com direito a cenas tórridas e marcas no pescoço. Última semana de maio. Intervalo nas leituras porque agora vai. E foi. Cinco dias depois, minha filha nasceu. Antes que o mês acabasse, resolvi trocar de passaporte. Cinco minutos na Travessa do Leblon e o Noll e o Bolaño invadiram minha bolsa. Acabei Lorde ontem (adorei!), mas ainda não deu prá começar Noturno Chileno. Agora que tenho certeza que estou indo passar um tempo fora do país, quando compro um livro sempre penso: vai dar prá levar? Respondo sempre que já tem coisa demais que não dá para levar. Os livros vão. Ponto. E viva a bagagem extra.
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terça-feira, 5 de maio de 2009

O Frenesi de Abril

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Parecia que Abril ia ser calmo. Muito calmo. Terminava de ler Foucault. O Poder psiquiátrico. Estava bem feliz com meus malucos. Ou, como diriam os amigos, teria encontrado meu lugar entre eles. Até Freud adentrou minha biblioteca em grande estilo, em vinte e dois volumes. Estudos sobre a Histeria. Tentando entender um pouco melhor os histéricos do ambulatório. Ou, como diriam os amigos, me entender. Futuro certo, emprego, dinheiro entrando. Tudo ia bem. Até passei no Baratos e comprei mais uns livros ótimos a preço de banana-maçã. A tragédia brasileira e Um crime delicado, do Sérgio Sant'anna, e Mongólia do Bernardo Carvalho. De quebra ainda achei um exemplar novo do livro de poesias do Borges que faltava na minha estante: O fazedor, por módicos R$12.00 (uma ofensa...). Dia dois, recebo por e-mail a notícia que esperei por quase dois anos. Não esperava mais que fosse acontecer. A possibilidade de passar um tempo fora do país, nas melhores condições, para estudar e descobrir coisas com as quais eu sonhava. Não sei se ainda sonho. Não dava tempo para pensar - precisava dizer sim ou não rápido. Disse sim, sem saber se era sim mesmo. Melhor desistir depois se for o caso. No meio da confusão, só pude recorrer a Clarice. Lispector. Água viva. Um livro esquizofrênico. Aliás, nunca me esquecerei do José Carlos, um paciente esquizofrênico que me pediu um livro de Clarice há um tempo atrás. Dei a ele A paixão segundo GH. Ele adorou. Inclusive me explicou umas partes que eu não havia entendido. Fora da psiquiatria o mundo ficou meio sem graça. Continuei trabalhando em outros lugares. Mas não é a mesma coisa. A psiquiatria renovou minha humanidade e tenho medo de perdê-la de novo. Mais tempo livre, uma tese para escrever, mais tempo livre para ler. O filho da mãe, de Bernardo Carvalho, foi uma boa leitura, embora continue a preferir outros livros do autor. O Frenesi Polissilábico, de Nick Hornby - sobre o qual já falei aqui. Passei de novo no sebo. Achei Corpo Presente, do Cuenca e o livro de poesias do Gonçalo M. Tavares, "1". O primeiro não li. O segundo não gostei, fiquei meio decepcionado. Vai ver eu estava chateado. Depois começaram os feriados e acabei disperso. Tentando pensar na tese que não saía. E na viagem - se eu iria. Preferi deixar rolar e ver o que aconteceria. Lá pelo dia vinte, conheci alguém especial, fiquei balançado. Obviamente, lendo poesia. Livro dos Sonetos, do Vinícius. Um pouco de Libertinagem não faz mal a ninguém. E Muitas Vozes, embora só uma eu quisesse de fato ouvir. Confesso, foi bom demais estar com você (que o digam os vizinhos...). Mesmo sabendo que você não queria nada sério agora. Eu te disse: eu também não. Mas sabe como é... peixes, escorpião - só tem emoção aqui. A razão fica de fora. Não fiquei chateado, decepcionado, nada disso - sem neuras. A propósito, Feliz Aniversário adiantado, caso não consiga falar com você no dia. Claro que vou tentar. E foi a astrologia que me levou ao último livro do mês: Triângulo das Águas, do Caio Fernando Abreu. De longe, a melhor leitura do mês, catártico, me emocionou profundamente. Li durante a viagem, no dia primeiro de maio. Merecedor do Prêmio Frenesi de Abril. Acabou o mês. Não acabaram os livros. Não é a Biblioteca de Babel. Mas pode ser que se torne infinita.
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