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segunda-feira, 10 de maio de 2010

A tentativa de suicídio do Sr. Pollini


Defina arte. Se você puder. O momento exato em que um objeto, um som, uma imagem ou um poema deixam de ser somente um objeto, um som, uma imagem e um poema, para adquirir um status outro. Ou adquirir um significado novo. Mesmo, que você reconheça o objeto, o som, a imagem ou o poema, existe algo que naquele instante modifica esses elementos e traz uma concepção ou um sentimento inesperado.

Ontem, por volta das 5 da tarde, em NY, o Sr. Pollini tentou o suicídio na minha frente. Em pleno Carnegie Hall lotado. E acredite, isso foi inesperado. Pollini tem 68 anos de idade, uma carreira internacional consolidada (que começou aos 18 anos, após vencer o Concurso Internacional Chopin, em Varsóvia) e o status de lenda. Um dos últimos grandes pianistas do século passado ainda em atividade. O Sr. Pollini não precisa provar a ninguém o quão grande ele é (apesar de ser baixinho). Mas, intencionalmente, após um recital de quase duas horas de duração – o terceiro e último de uma série que relembrou os 200 anos da morte de Chopin – o Sr. Pollini tentou o suicídio.

Críticos do pianista não cansam de anunciá-lo como um intérprete seco, rígido e sem emoção. Enganam-se em suas análises. Toda a contenção em Pollini tem um propósito. Toda a contenção em Pollini direciona-se à verdade da escrita musical. Toda energia contida é liberada no momento certo, na proporção exata e isso é arte. Não é possível negar o lirismo nos Noturnos Op.55 ou na Barcarolla Op.60 (e ele não nega). Mas quem mais, nessa faixa de grandeza, pode apresentar uma Berceuse Op.57 tão límpida e plácida? Pollini toca a Berceuse como se estivesse tocando um dos estudos para piano de Ligeti – total independência rítmica e melódica. De fazer a inveja a qualquer um dos pretensos superpianistas chineses atualmente “disponíveis no mercado”.

A última peça do programa foi a última sonata escrita Chopin, Op.58, obra de sua maturidade. Novamente, impressiona a precisão, a clareza e velocidade com que a música flui. Público uivando de felicidade ao fim do concerto, aplaude de pé o pianista. Ele volta ao palco e após três tentativas de escape, engata – como encore – a terceira Balada. Corajoso, diriam muitos. Novamente o público agradece com aplausos e gritos de “bravo”. Parecia já ter teminado, após quase duas horas de música, quando o pianista retorna mais uma vez para agradecer e inspirado, decide se suicidar. Joga-se ao piano sem aviso prévio à audiência, e ataca o temido Estudo Op.10 no.4 – o mais difícil de toda a safra de estudos para piano escrita por Chopin. Poucos o tocam dentro de um programa bem planejado. Ninguém toca algo assim como encore. Só ele. Ao término, sorrindo, agradece à platéia emudecida e o confessa a tentativa de suicídio. É o inesperado que faz a arte. O mundo precisa demais desses loucos pianistas suicidas.

domingo, 25 de abril de 2010

Georgia O'Keeffe

fui ver Georgia hoje na Phillips Collection, em DC. Bela (e muito completa) retrospectiva da grande pintora abstrata americana.
( fotografada por Stieglitz)






"I know I cannot paint the flower. I cannot paint the sun on the desert on a bright summer morning, but maybe in terms of paint color I can convey to you my experience of the flower or the experience of the flower or the experience that makes the flower of significance to me at that particular time."

(Georgia O'Keeffe 1887-1986)

domingo, 28 de março de 2010

Eu fiz um poema

Eu fiz um poema belo
e alto
como um girassol de Van Gogh
como um copo de chope sobre o mármore
de um bar
que um raio atravessa
eu fiz um poema belo como um vitral
claro como um adro...
Agora
não sei que chuva o escorreu
suas palavras estão apagadas
alheias uma à outra como as palavras de um dicionário.
Eu sou como um arqueólogo decifrando as cinzas de um cidade morta.
O vulto de um velho arqueólogo curvado sobre a terra...

Em que estrela, amor, o teu riso estará cantando?

Mário Quintana
(em Esconderijos do Tempo, Poesia Completa, Ed. Nova Aguilar)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Férias

procura-se
indivíduo sensível
inteligente
ligeiramente indecente
que trabalhe full time
sem ganhar muito
que não seja feliz
mas tenha lampejos
de felicidade
e seja independente
precisa-se urgente
de alguém assim
que me cubra
- estou tirando férias de mim mesmo



domingo, 1 de novembro de 2009

Washington DC, 31 de outubro, 2009

Sorvete de morfina é para os dias mais difíceis e amargos. Há um ano, doía tanto não ser amado que precisei de um vício novo que me deixasse anestesiado. Não havia endorfina, chocolate ou porre que desse jeito. Sorvete de morfina aliviou a dor, diminui meu medo. Ficou uma marca. Nunca mais olhei o mundo do mesmo jeito. Depois de tanto sorvete, recuperei um pouco da humanidade. Andava perdida em um buraco escuro em mim. Usei. Abusei. Aumentei a fábrica. Fiz mais sorvete. Desde então vivo de morfina em doses terapêuticas, prescritas como sorvete. Devagar acerto a dose. Para aliviar. Sem parar de respirar.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Definições XVIII

.
Indefinição é quando você não encontra o significado da palavra no dicionário. Ou quando há vários significados e você não sabe o que fazer com eles. Definir é uma tentativa de aprisionar a idéia a um objeto. Fazer algo que só existe na sua cabeça tornar-se real. Apropriar-se do conteúdo imaterial das coisas para construir o seu mundo. Por isso a indefinição é uma sensação tão ruim. Só quando ela surge é você descobre é que todas as suas definições deixaram de existir, ou perderam o sentido. Para continuar vivendo terá que construir (ou definir) tudo de novo.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

idéias mortas

as idéias andam fugindo
de mim
mudando de calçada
.
se me vêem
na rua
da amargura
.
e do completo
branco omo total

atravessam sem olhar
para os lados

preferem a brutalidade
do atropelamento

a fazer parte
do meu arsenal

de bobagens

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Ouvindo...

Frase do dia, digo, da noite

.
"Meu coração é uma máquina de escrever.
É só você bater para entrar na minha história."
.
(de Máquina de Escrever, com Pedro Luís e a Parede,
composição de Mathilda Kovak e Luís Capucho)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Soneto do Suicida Bêbado

Ah ah ah, hoje eu só quero me matar
Preciso achar um jeito dessa vida acabar
Pode ser com canivete, corda, faca, ou veneno
Pode ser pela janela do décimo-quinto andar
.
Não preciso de ajuda, só preciso de um momento
Quem sabe esperar um vento que me ajude a saltar
Sem vento resta o veneno, quem sabe chumbinho tento
ou mais morfina do que aguento, para parar de respirar
.
Pode parecer delírio, mas isso aqui não é o lírio
Não preciso de colírio, o que eu quero é veneno
Para preparar o terreno e então morrer sereno,
com um último aceno, sem ninguém me incomodar
.
E no enterro tragam flores, girassóis, alguns amores
Não chorem, não sintam dores, eu morri de tanto amar.

Ouvindo...



Não é fácil
(Marisa Monte, Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes)

Não é fácil
Não pensar em você
Não te contar meus planos,
Não te encontrar
.
Todo dia de manhã
Eu tomo meu café amargo
É, ainda boto fé de um dia
te ver ao meu lado
Na verdade, eu preciso aprender
Não é fácil, não é facil
.
Onde você anda, onde está você?
Toda vez que eu saio
eu me preparo prá talvez te ver
Na verdade eu preciso esquecer
Não é fácil, não é fácil
.
Todo dia de manhã
Eu tomo meu café amargo
É, ainda boto fé de um dia
te ver ao meu lado
O que eu faço?
O que eu posso fazer?
Não é fácil, não é fácil
.
Se você quisesse ia ser tão legal
Acho que eu seria mais feliz do que qualquer mortal
Na verdade, não consigo esquecer
Não é fácil, é estranho

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Frenesi de Agosto


Com muito desgosto, imensa saudade, coração apertado e um pouco de esperança no bolso, começou agosto. Sem casa, sem gato, sem piano, sem amor, sem amigos. O Bloco do Eu Sozinho saiu comigo mesmo. Mesmo sem nada concreto, fui atrás dos poetas. Eles mudaram de língua. Só falam comigo em Inglês. E esperam que responda à altura. Bishop. Yeats. Keaton. Dickson. Whitman. Antes de achar uma casa, achei um sebo (oba!) e uma boa livraria. Requisitos fundamentais para quem não gosta de comprar livro pela internet. Não foi difícil encontrar um lugar para morar. 2144 California St NW. Onde mais poderia morar senão na unica saída do metrô onde está gravado um verso de um poeta? "I celebrate myself, and sing myself, and what I assume you shall assume. For every atom belonging to me as good belongs to you." Difícil foi conter as saudades da Rua Tonelero, da esquina do metrô, da academia lotada, do sorvete de amarena da esquina da Santa Clara, do Café no Santa Satisfação. Dos amigos. Dos amigos. Dos amigos. Do seu sorriso e das suas mensagens no final do dia também. Do miado chato do meu gato pardo quando acorda com a cara amarfanhada. Do som do meu piano com seu dó mais grave desafinado e um leve soar metálico quando tocava Debussy. Viagens e surtos. Sagalusa e o Diário de Camus. Em alguns momentos confesso que surtei. Descobri a definição de estrangeiro. Fiquei assustado. Nada que o correr dos dias e as saídas noturnas não amenizassem. E com uma casa nova tudo ficou mais fácil. Depois, conseguir móveis. Finalmente as malas desfazem-se. Os livros aparecem. Tudo fica mais familiar, embora ainda falte muita coisa para chamar isso de lar. Não sei porque, mas o diabo mora nos detalhes vermelhos da minha sala. De vez em quando a gente conversa. Ele avisa: fica tranquilo que essa nova vida está só começando; vem muito mais por aí.
.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Há 110 anos atrás...

... nascia Borges. Abrindo ao acaso saiu o poema que transcrevo abaixo.

.

meus livros
.
Meus livros (que não sabem que eu existo)
São tão parte de mim como este rosto
De fontes grises e de grises olhos
Que inultimente busco nos cristais
E que com a mão côncava percorro.
Não sem alguma lógica amargura
Penso que as palavras são essenciais
Que me expressam se encontram nessas folhas
Que não sabem quem sou eu, não nas que escrevi.
Melhor assim. As vozes dos mortos
Vão me dizer para sempre.

Jorge Luís Borges
(A Rosa Profunda, in Borges - Poesia. Ed. Cia das Letras. Tradução Josely Vianna Baptista.

Ouvindo...


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Tempos Modernos
(Lulu Santos)
.
Eu vejo a vida
Melhor no futuro
Eu vejo isso
Por cima de um muro
De hipocrisia
Que insiste
Em nos rodear...
.
Eu vejo a vida
Mais clara e farta
Repleta de toda
Satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão...
.
Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...
.
Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não, não, não...
.
Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
Não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...
.
Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão...
.
Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não...
.
Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há prá viver
Vamos nos permitir...
.
E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir...

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Asas

no meio de mim
mora um ser alado
que toda hora
tenta sair

antes eu dizia:
sai, meu filho
voa!

agora?

não deixo.
não deixo.
não deixo.

quer voar?
me leva junto.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Ouvindo...



Canto de Xangô
(Vinícius de Moraes & Baden Powell)
.
Eu vim de bem longe, eu vim, nem sei mais de onde é que eu vim
Sou filho de rei muito lutei pra ser o que eu sou
Eu sou negro de cor mas tudo é só amor em mim
Tudo é só amor, para mim
Xangô Agodô
Hoje é tempo de amor
Hoje é tempo de dor, em mim
Xangô Agodô
Salve , Xangô, meu Rei Senhor
Salve meu Orixá
Tem sete cores sua cor
sete dias para a gente amar
Salve Xangô, meu Rei Senhor
Salve meu Orixá
Tem sete cores sua cor
sete dias para a gente amar
Mas amar é sofrer
Mas amar é morrer de dor
Xangô, meu Senhor, saravá!
Me faça sofrer
Ah me faça morrer
Mas me faça morrer de amar
Xangô, meu Senhor, saravá!
Xangô agodô

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Definições XVII

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Estrangeiro é quando você olha para o lado e não reconhece nada nem ninguém. É uma sensação de infinita solidão - difícil explicá-la - e que é sempre qualitativa: não depende de quanta gente tem por perto, mas de quem está ao seu redor. O estrangeiro é um estado, não é um ser. Ninguém é estrangeiro ou fica estrangeiro por toda a vida. Aos poucos o corpo começa a aceitar o novo mundo, a ouvir novas palavras, ver gente nova e reconhecer tudo isso como parte dele. Dói, demora, requer paciência. Até que um dia você vê numa porta escrito "push" e ao invés de puxar, você empurra e entra.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Frase do dia, digo, da noite


"Thus in silence in dreams’ projections,

Returning, resuming, I thread my way through the hospitals,

The hurt and wounded I pacify with soothing hand,

I sit by the restless all the dark night, some are so young,

Some suffer so much, I recall the experience sweet and sad"
.
Walt Whitman, 1865
(gravado na pedra, no portal de entrada norte do metrô, em Dupont Circle, Wash DC)
.
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