segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Antipoeta


sem saber o que dizer
- não se vê poeta -
preferiu o silêncio
da escrita - que espera,
permaneça em silêncio
e não seja lida

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Anamneses

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Leito 3 ou "Des-conto de Natal"
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Noel, 50 anos, pardo, morador da Rocinha. Carrega no ombro o peso da carne e do nome. Se morasse na Vila, poderia ter sido sambista. Mas nasceu no morro. De favela em favela, chegou à maior delas. O físico avantajado ajudou, mas foi o nome que determinou seu lugar no mundo - desde sempre iria ser Papai Noel. Profissão ingrata. Quem é que se satisfaz com o que Papai Noel pode oferecer hoje em dia? Já ouviu-se criança dizer que o velhinho se mudou da Lapônia para o Submarino, de onde envia - via sedex e sem cobrar frete - presentes de todo o tipo, durante o ano todo. Se sempre foi gordinho, talvez o estresse, o desemprego e uma penca de crianças insaciáveis tenham piorado a situação. Hoje, Noel pesa cento e oitenta quilos. Hipertenso, diabético, dislipidêmico, angina. Síndrome metabólica - disse o médico. Precisa perder peso - disse o nutricionista. Vamos reduzir o estômago - disse o cirurgião. Não no Natal - disse Noel. Como poderá haver Natal sem Noel? É urgente - disseram todos. Dia vinte e dois de dezembro o estômago de Noel encolheu. Dia vinte e três, boa recuperação. Dia vinte e quatro, febre alta, dor abdominal, distensão, irritação peritoneal. Chame o cirurgião. Vai precisar abrir. Sepse. Barriga aberta - cena bizarra. O estômago encolhido cresceu. Cheio de formas, em plena atividade criativa cuspia ao intestino carrinhos, bonecas, bolinhas de gude... Presentes de antigamente. Expelidos limpos e embalados, iam enchendo o saco de Noel. O cirurgião tentou, em vão, reduzir novamente o estômago de Noel. Era meia-noite do dia vinte e cinco quando o processo cessou e Noel morreu. Chão abarrotado de presentes, embrulhos com laços de fita. Atestado de óbito. Causa do óbito? Sem saber o que dizer, escreveu: descrença. 

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Definições VI

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Natal
é quando neva no Rio de Janeiro. A neve - ao que se vê - opera milagres. Desavenças são ignoradas. Promessas são esquecidas. Bonança prevalece. Quem diria que no país do sol e praia seria a neve o catalisador que aquece corações. Para o bem e para o mal, neve é gelo. Gelo derrete rápido sob sol de quarenta graus. Como a água que escorre, o Natal também vai ralo abaixo e, no dia vinte-e-seis, o mundo volta ao normal.

Cárcere

catando palavras
perdidas num canto
encontradas
juntando palavras
jogadas ao vento
recitadas
apagando palavras
deveriam estar
registradas
escrevendo palavras
precisavam ser
encarceradas
escrita
a palavra dita
encarcerada
a alma fica
num pedaço
de papel

domingo, 21 de dezembro de 2008

O Bóson, o Bozo e a Epistemologia

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Fiz uma descoberta terrível. Você sabia que tudo o que acredita que sabe pode não saber? E o culpado é o bóson de Higgs. Sim. O bóson. Eu, ignorante, não conhecia o bóson - no máximo o Bozo. Ops, seria Peter Higgs a identidade secreta do Bozo? Os bósons (se você mora no Brasil) ou bosões (se mora em Portugal) são partículas que possuem o spin inteiro e obedecem à estatística de Bose-Einstein. Existem vários tipos, todos com nomes bizarros tipo glúons, fótons, e o terrível bóson de Higgs. O problema é que o modelo atual da partícula, o qual explica tudo - já que tudo é feito de partículas - depende da existência do tal bóson de Higgs. Agora, se você não está sentado, sente-se, porque a existência do bóson de Higgs não foi comprovada. Já procuraram em todos os lugares, encontraram vários "ons" da vida, mas nada do tal bóson de Higgs. A última esperança: o LHC (Large Hadron Collider ou Grande Colisor de Hádrons), aquele treco gigantesco, debaixo de solo franco-suiço, que ligaram este ano. Pergunto eu: como é que ficaremos se o bóson de Higgs não for encontrado? Se o bóson de Higgs cair, cairão todos os "ons"? Do que seremos feitos então? Água? Fogo? Vento? Terra? O que é, é, porque o que não é não existe? É possível saber o que é? O que é possível saber? A mais importante: qual a identidade secreta do Bozo? Perguntas sem respostas.
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Higgs e Bozo. Notou a semelhança?

Poema de domingo

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um domingo
é
um dia difícil
de definir
pode ser sol e praia - um sorriso
pode ser só para dormir

Lição de um Gato Siamês


Só agora sei
que existe a eternidade:
é a duração
......finita
......da minha precariedade

O tempo fora
de mim
.............é relativo
mas não o tempo vivo:
esse é eterno
porque afetivo
- dura eternamente
...enquanto vivo

E como não vivo
além do que vivo
não é
tempo relativo:
dura em si mesmo
eterno (e transitivo)

Ferreira Gullar
(Muitas Vozes, José Olympio Editora, 1999)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Poema de sábado

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um sábado
.........é só
...........a semana
.......sendo sublimada
..........na pista
.................de dança

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Miado


O gato mia de manhã
cedo demais
mia porque tem fome
ou porque acha que morri?
.
O gato mia ao meio-dia
ninguém para ouvir
mia porque está só
ou porque acha que não voltarei?
.
O gato mia à noite
tarde demais
mia porque quer a gata
ou para lembrar-se que ainda é gato?
.
Miado de gato é como biscoito chinês
da sorte - cada um traz uma mensagem
.
Nem sempre dá para entender
o que está escrito

Poema de quinta

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uma quinta
feira
pode ser
pode não ser
expectativa
de te rever

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Poema de quarta

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uma quarta
....................feira
.é só
........o dia
............de ir
....................à feira

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Poema de terça

.
uma terça
..........feira
..................ainda
.....................é um
............terço
......de semana

Soneto do Gato Morto

Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade

De ter sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.

Por isso ele está sempre a rir de cada
Um de nós, e ao morrer perde o veludo
Fica torpe, ao avesso, opaco, torto

Acaba, é o antigato; porque nada
Nada parece mais com o fim de tudo
Que um gato morto.

Vinícius de Morais
(Nova Antologia Poética, Cia das Letras, 2008)
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PS.: O Blorges voltou e está atualizado...

Poema de segunda

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uma segunda
.....feira
..............é
................
uma segunda
.....chance

A apoteose da garota materialista

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Impressões pós-show. Madonna é Madonna. Não canta porra nenhuma (todo mundo sabe disso e ninguém se importa), mas não tem igual. Fale sério. Apesar da chuva torrencial do domingo, que deixou todo mundo encharcado - inclusive a própria, foi um mega-show. Não é qualquer um que sobrevive ao próprio sucesso, vide o Michael Jackson. E Madonna está aí, há 25 anos detonando a cada novo disco. É claro que o sucesso se deve também a business machine americana. Mas não tire o mérito da estrela. Ela sabe aproveitar o momento e as tendências, sem deixar de ser Madonna. Não existem mais ícones como ela. Pare para pensar e cite apenas um artista surgido após a virada do milênio que conseguiu atingir algo nesse nível. Não há. Sinal de tempos que mudam.
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Surgindo no palco ao som de Candy Shop
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Eu fiquei positivamente surpreso com o que vi. Esperava um show mais morno, de acordo com as críticas recentes da turnê. Exatamente o contrário, duas horas ininterruptas de espetáculo, inclusive com ótima aceitação de todo o repertório do novo disco, Hard Candy. Mas é óbvio que povo foi à loucura com os sucessos mais antigos, Vogue, Like a prayer, Into the Groove, Music...
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Momento go away fucking rain

Agora, cena antológica mesmo, foi Madonna, agachada no palco, secando o chão com um saco de chão branco. Isso ficará para sempre gravado na minha memória. Madonna é Madonna.
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Olhe aí a faxina, foi bem no meio de La Isla Bonita

domingo, 14 de dezembro de 2008

Material Girl


Ok, ela pode não ser mais a Material Girl, nem arrastar correntes no palco, beijar dançarinos nus, ou desafiar o Vaticano com coreografias envolvendo crucifixos gigantes. Mas ela ainda é a Madonna e está de volta 15 anos após "The Girlie Show". Se você nunca cantou Holiday, Like a Virgin, Material Girl, Like a Prayer, Erotica, Hung up, ou mesmo a chatinha Candy Shop não sabe o que está perdendo. Pare de ser chato e divirta-se like a virgin, touched for the very first time...
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sábado, 13 de dezembro de 2008

Os cegos do metrô


Quando foi que rir se tornou o melhor remédio? Alguém, por favor, me diga. Não há mais indignação. Tudo é piada. Não há mais dignidade. Tudo é escárnio. As pessoas riem da desgraça alheia e talvez pior - da própria desgraça. Ontem, usei o metrô para ir ao trabalho. Já estou acostumado com o caos que é usar o metrô no sentido Estácio, na sexta-feira, no horário do rush. Todo mundo também já sabe do mau funcionamento dos trens, do despreparo dos funcionários, da displicência da concessionária e da falta de investimento. Mas o que vi ontem me deixou chocado. Começou aqui mesmo, na estação Siqueira Campos. A composição levou 15 minutos parada, aguardando a "normalização do tráfego à frente". O Rio de Janeiro é único lugar no mundo que tem engarrafamento diário no metrô - o que é uma piada, considerando que só há dois sentidos, o que vai e o que vem. Obviamente, a composição saiu lotada da estação, já que as portas ficaram abertas durante todo o tempo. Em Botafogo, já não havia espaço sequer para uma mosca varejeira dentro do vagão. Mas o suplício continuou a cada estação. Dentro do vagão, uma senhora sentia-se mal, enquanto vários riam da situação e diziam "quer espaço? pegue um táxi". A partir do Largo do Machado, o caos reinou. Pessoas eram jogadas para o meio do vagão por uma multidão enfurecida. Na porta, alguns trogloditas gabavam-se de ter "barrado" alguns e deixado outros entrarem. Mais gente passando mal. Mais risos de escárnio. Na Cinelândia, uma pessoa passando mal conseguiu, com muito custo, deixar a vagão, aos gritos de "já vai tarde" vindos da multidão. Ao sair do vagão, começou a vomitar. Não havia funcionários do metrô para ajudá-la. Pelo menos não apareceu nenhum, nos quase cinco minutos em que o metrô ficou parado. Dentro do vagão começaram as brigas. Se você viu "Ensaio sobre a Cegueira" no cinema, ou leu o livro, vai conseguir visualizar a cena. Dentro do metrô, aparentemente, as pessoas ficaram "cegas". Contagem regressiva para chegar à Central, onde muitos saltam. Portas abertas, a boiada liberta. Uma senhora foi pisoteada. Não é uma figura de linguagem. Ela foi pisoteada por uma multidão enfurecida. De novo, não havia funcionários do metrô para socorrê-la. Os cegos deixaram a composição. Os poucos que restaram olhavam assustados. Mas só durou uma estação. Já na Praça Onze, ninguém mais se lembrava do ocorrido. Eu sei que você vai dizer que a culpa é do governo, do MetrôRio, do condutor do vagão ou quem mais estiver na frente. Que não há transporte suficiente para todos, que não se investe na expansão do metrô, que a única coisa que fizeram foi colocar mais ônibus nas ruas com o símbolo do metrô, para dizer que o metrô chega em todos os lugares (e você ainda paga mais pela ineficiência do sistema). Eu sei. Mas, sinto muito, isso não justifica os seus atos. Isso não justifica o riso, o escárnio, a falta de solidariedade e indignação, nem o desprezo. Isso não justifica a sua cegueira branca. Nem a minha. Porque não haverá solução, se além de tudo que já não temos, ainda perdermos a humanidade. Aí, nem com muito, mas muito sorvete de morfina.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Manifesto anti-felicidade


felicidade é constância
constância é tédio
tédio acaba
com a criatividade

resumo da ópera:

é melhor ser criativo
que ser feliz
abaixo a ditadura
da felicidade

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Presto


Os dias despencam
aos pedaços. Logo será janeiro.

Posso farejar o amarelo das amendoeiras
de então (amarelas como teu cabelo)

e a praia, os bares, a ferrugem, nossas costas
e braços liquefeitos. Tanto faz a solidão,

a companhia: tudo são doenças tropicais,
incuráveis. O verão virá, forasteiro,

no vôo tonto, nupcial dos cupins
em volta das lâmpadas. Janeiro

está próximo, pressinto seu peso, a alegria,
o tremor, a sezão, o óleo,

a girândola veloz dos relógios
a nos golpear no ventre. Girassóis

em bando assestarão suas lâminas
em direção aos táxis

enquanto os rios, erráticos, desaguarão
à porta dos edifícios da Senador Vergueiro.

Eucanãa Ferraz
(Rua do Mundo, Cia das Letras, 2004)

Fuga


I
Sem essa de luz em fim de túnel, luz é para covardes,
apague a luz, o túnel não tem fim
II
volte a fugir, seu contraponto é barroco
a primeira voz recita o tema - que voz é a sua?
III
desenvolva o tema, mude o tom e faça pausas, síncopes, acefalias
e pare de tentar acender a luz
IV
você não consegue, só repete repete repete,
pastiche de todos e de você mesmo - que ridículo
V
pare de tentar acender a luz e entenda:
não é a luz que falta, é a luz que sobra que não te deixa ver

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Ciranda

o gato parou
de frente
olhou
fez que não viu
fingiu que caiu
olhou olhou
não parou de olhar
pare, gato
pare
não olhe
olho de gato
brilha no escuro
quer testar?
olhar de gato
brilha no escuro
brilha brilha
não pára de brilhar
pára pára
pára de brilhar
olho de gato brilha
se o gato sorri
sorria sorria
pare pare
pare de sorrir
olho brilho sorriso
brilho sorriso olho
sorriso olho brilho
dar a meia volta
volta e meia
vamos dar
brilho olho sorriso
olho sorriso brilho
sorriso brilho olho
ciranda de roda
vamos todos
cirandar

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Credo

Eu não creio na rocha,
que se diz pétrea, sólida e una
e crê ser inviolável
Eu creio é na rosa,
que surge na brecha da rocha
violando o inviolável
Eu não creio na rocha
Estúpida, esqueceu-se que
verdades individuais
são sempre provisórias
Eu creio é na rosa
E a rosa é terna
A rosa é eterna

domingo, 7 de dezembro de 2008

Cara Feia

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PRÁ QUE CARA FEIA?
NA VIDA
NINGUÉM PAGA MEIA.


Paulo Leminski
(in Melhores Poemas de Paulo Leminski, 1999, Ed. Global)

Céticos ou Crentes?

"Cépticos como os cépticos, crente como os crentes. A metade que avança é crente, a metade que confirma é céptica.
Mas o cientista perfeito é também jardineiro: acredita que a beleza é conhecimento."

Gonçalo M. Tavares
(in Breves Notas sobre Ciência, Ed. Relógio d'Água, 2006)

sábado, 6 de dezembro de 2008

The road not taken


Two roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.

Robert Frost
(in Mountain Interval, 1920)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Definições V

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Loucura é quando você atinge um estado de espírito em que todas as verdades deixam de ser provisórias para tornarem-se definitivas. Certezas incontestáveis, inabaláveis, inquebráveis e por isso mesmo indolores. Peças concretas de um eu que perdeu a unidade e se partiu em dois, três, quatro, sabe-se lá quantos. Não é possível reunir toda essa gente de novo. A solução é esquecer ou tolerar.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Aviso aos usuários


Hoje recebi um convite para me juntar
oficialmente aos malucos.
Sinto-me honrado.
Aviso que vou aceitar.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Definições IV

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Presente é quando você acorda e abre os olhos para o mundo. Pode ser de manhã. Pode ser depois do meio-dia. Pode ser agora. Pode ser nunca. Você é quem escolhe quando vai ser.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Feliz Natal?


"Todas as famílias felizes se parecem. As famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira." Ninguém duvida de Tolstoi, na abertura da sua Anna Kariênina. Mas precisa ser tão infeliz assim? Ontem fui ver Feliz Natal, o filme do Selton Mello. Não era a minha intenção, pretendia ver Terra Vermelha, mas não havia ingressos para a sessão no horário. OK. É um ótimo filme, com grandes atuações. Mas é infelicidade demais. E todas aquelas tomadas e closes. Angustia. Dá vontade de ir embora no meio. E ladeira abaixo, sem chance de alguém jogar uma corda. Sinceramente, é tão deprê que não consigo nem ficar comovido. Caí no conto do horóscopo, que mandou fazer tudo sozinho no domingo. Fui ao cinema sozinho. Perigo. Não veja essa filme sozinho (deviam por esse aviso na porta). Leve alguém para abraçar no final e lembrar que tanta infelicidade assim junta só deve haver na ficção. Haja sorvete de morfina.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

domingo, 30 de novembro de 2008

30 dias de sorvete de morfina

Trinta dias de sorvete de morfina
Abuso. Tolerância. Dependência.
Comemoração na Sorveteria,
esquina da Barata com a Sta Clara
Dose alta acaba rápido
Não demore a chegar
Não vou esperar

bloco de notas

................um bicho solto
................um cão sem dono
................um bandido
................um menino
................um duvida
................um abraça
................um sorri
................um é só lágrimas
................um eu partido
................dois de mim
................um quer tudo
................- e tudo é muita coisa ao mesmo tempo
................um quer nada
................- esse é potencialmente, mas só potencialmente, mais feliz

sábado, 29 de novembro de 2008

Paráfrase do beco

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..........Querido Manuel,
..................Eu vejo além do beco
..................O problema
..................é que além do beco não há
..................nada.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

A arte de sumir e aparecer

Quinta-feira. Acabou o café. Sempre a mesma história. Saio para comprar café. Dessa vez mantenho os planos - é mais seguro. Volto para casa pelo caminho mais curto. Quero evitar surpresas. Não adiantou. Na esquina de casa, antes que eu possa reagir, ele aparece. O Gato de Alice sorri para mim. Conheço essa sensação. "Não sei o que fazer, não sei o que pensar" (lembra-se?) Não sorria assim, Gato de Alice! Eu posso não me recuperar quando, a seguir, você sumir. Resolução de ano-novo: parar de tomar café (ahahahaha...)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Um dia de Josés

11:35 - Saí da prova pensando em José...

"E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,........................(...)......................Se você gritasse,
o povo sumiu,..................................................se você gemesse,
a noite esfriou,.................................................se você tocasse
e agora, José?..................................................a valsa vienense,
e agora, você?................................................se você dormisse,
você que é sem nome,......................................se você cansasse,
que zomba dos outros,.....................................se você morresse...
você que faz versos,........................................Mas você não morre,
que ama, protesta?.........................................você é duro, José!"
e agora, José?

13:50 - Ligam-me os meus dois Josés, o irmão e o avô. Saudades...

17:30 - Na ABL, está o outro José, aquele ser sisudo, a falar do destrato com que se trata a Língua Portuguesa. "Só se pode transformar aquilo que se conhece profundamente." Recorda o Machado (o dono da casa). E diz que precisa inventar o inventar. Não tem de inventar nada novo. É preciso inventar o "inventar." E para isso "basta deslocar um pouquinho a iluminação do objeto e lá estará o objeto, novo." A conversa termina no Elefante, aquele que viaja. Ainda não conheço o elefante. Terei grande prazer em conhecê-lo, no meu exemplar autografado. Abro o livro e vejo a dedicatória mais bela que já vi em toda vida: "A Pilar, que não me deixou morrer." E viva o José.



terça-feira, 25 de novembro de 2008

Matrix, mirtilos & beijos roubados


Escrevendo em um cyber na galeria dos antiquários. Quarenta e oito horas sem computador dão a medida exata do novo paradigma da solidão humana. Se você não está conectado ao mundo virtual, você não existe. Matrix? Chove. Meus tríceps doem, mudou a série da academia. Parei no supermercado. Encontrei, surpreso, blueberries, que evocaram sonhos perdidos no tempo. Pareciam tão próximos e reais. Durou pouco. Também lembrei do filme, "My blueberry nights", aquele do beijo roubado, da espera e do retorno. Fico pensando em que fase estou - o beijo roubado, a espera ou o retorno. Melhor não pensar nisso. Melhor comer mais uns blueberries. Nem de longe são doces como os que se come no café-da-manhã em New York, mas são bons assim mesmo. Como pela lembrança, não pela doçura. Saudade filha-da-puta de alguém que não sei quem é, nem se existe, nem se é lugar, gente ou bicho. Criaturas imaginárias. Só resta um blueberry. Filho único. E agora? Guardo e deixo a realidade estregá-lo? Ou como e fico com a lembrança do que foi um dia? Tarde demais. Batalha perdida.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008


Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Cecília Meireles
(Vaga Música, 1942)

domingo, 23 de novembro de 2008

Noite Transfigurada


Noite Transfigurada
(para o Leo)

noite transfigurada
cantada em versos decassílabos
de um pedaço de papel
rasgado
guardanapo de um café
que guarda
a recordação do que poderia ter sido
se não tivesse não sido
e simplesmente fosse
só um horóscopo
de domingo
esperança
do que talvez um dia será
quando as criaturas
não forem mais imaginárias
quando as vontades
não forem mais imaginárias
quando as imagens
não forem mais imaginárias
quando a noite deixar
de ser transfigurada
num pedaço de papel

Horóscopo de Domingo


sábado, 22 de novembro de 2008

Anamneses


Leito 5
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Francisco, quarenta anos, esquizofrênico. Só isso basta, esquizofrênicos não têm direito de ter outras doenças. Passeava no bosque. Imaginário? Parou, olhou a plantinha, achou bonitinha - parecia um mini-repolho. Comeu a plantinha. Voltou para o castelo. Subindo as escadarias que levavam à grande torre pensou: vou desmaiar. Quase inconsciente, chamou o dragão alado e pediu que o levasse ao grande mago curandeiro. Chegou desmaiado. Em coma, não há distinção entre loucos e não-loucos. De volta à "realidade". Insuficiência respiratória. Broncoaspiração. A plantinha foi parar no pulmão. Sepse. Necrose do pé. Vai ter que amputar. Não dá para esperar. Tem que ser agora. Amputa ou morre. Não pensa. Amputa logo. Choque séptico. Pressão caindo. Não responde ao tratamento. Vai parar. Parou. Ressuscita. Massagem. Adrenalina. Atropina. Adrenalina. Atropina. Adrenalina. Massagem. Bicarbonato. Nada. Não vai voltar. Hora do óbito: três e trinta. De volta à realidade. Diz o dragão: que bom que você voltou. Réplica: também acho.

Definições III

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Gato é quando um ser vivo se destaca na multidão de seres vivos e não havendo outro termo melhor para usar, você diz: é um gato. Habitualmente, andam sobre as quatro patas, embora alguns - os mais perigosos - andem sobre duas patas apenas. Existem em diversas configurações, angorá, persa, siamês, de Alice, egípcio, etc. Alguns mais imaginários que os outros. Todos muito arredios. Três lições sobre gatos: não é você que se aproxima do gato, é o gato que aproxima-se de você; o miado de chamado de hoje pode ser o miado de repulsa de amanhã; todos roubam alguma coisa sua - pode ser um pé-de-meia, pode ser seu coração.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Assim falou Saramago...


Vivo, vivíssimo

Intento ser, à minha maneira, um estóico prático, mas a indiferença como condição de felicidade nunca teve lugar na minha vida, e se é certo que procuro obstinadamente o sossego do espírito, certo é também que não me libertei nem pretendo libertar-me das paixões. Trato de habituar-me sem excessivo dramatismo à ideia de que o corpo não só é finível, como de certo modo é já, em cada momento, finito. Que importância tem isso, porém, se cada gesto, cada palavra, cada emoção são capazes de negar, também em cada momento, essa finitude? Em verdade, sinto-me vivo, vivíssimo, quando, por uma razão ou por outra, tenho de falar da morte…

n'O Caderno de Saramago em 18/11/2008

PS.: Ele está chegando no final-de-semana.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

dispensa maiores comentários...

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Interesse
(Suely Mesquita e Pedro Luís)

Acende uma vela pra Deus
outra pro diabo
agradeço,
você não se interessa mais por mim

Posso passear no bosque
seu lobo não vem mais atrás
agradeço,
você não se interessa mais por mim

Me solta, me deixa, me larga,
tenho mais o que fazer.
não posso ficar nessa de esperar,
nem posso ficar nessa de querer.

O gato acha o rato muito interessante
a cobra acha o sapo muito interessante
agradeço,
você não se interessa mais por mim

Sai de cima, deixa disso de promessa
ão me prende aqui
que eu tô com pressa

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Poema dentuço








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Poema dentuço
(para o Manuel)

Minha cama não tem cabeceira
Só pelo de gato
e poeira
Se tivesse, estaria lá o Bandeira
toda noite a dizer:
Estrela da vida inteira

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Poema de sete faces


Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima,
não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Carlos Drummond de Andrade
(Alguma Poesia, 1930)

Conjugação

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..........Eu obito
..........Tu obitas
..........Ele obita
..........Nós obitamos
..........Vós obitais
..........Eles obitam

...................Terminando,
...................descansem em paz
...................e apaguem a luz

Definições II

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Dilúvio é quando o bueiro não é suficientemente grande para escoar o líquido que escorre. Ele acumula, sobe, leva com ele o que estiver pela frente e não estiver bem preso. Haverá quem diga que nem sempre o culpado é o bueiro, que a velocidade com que as coisas acontecem pode pegar o bueiro despreparado. A réplica: se o bueiro não está sempre preparado, como pode continuar a ser bueiro?

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Amores, Traições, Objetivos & Barcelona


Ai, ai... Domingo agitado. Prova louca de manhã, encontro inesperado à tarde, Vicky Cristina Barcelona à noite. Gato miando, casa bagunçada, pilhas de livros para ler (um prazer) e uma prova (definidora) em dez dias exatos. Esse antibótico me deixa nauseabundo. Psiquiatria eu te amo. Casa comigo e viveremos felizes para sempre.

Traições. Ando pensando em traições com uma certa freqüência. Como reagir quando alguém te quer mas é comprometido? É melhor ser Vicky? Ou Cristina? María Elena? Certamente o melhor é se mudar para Barcelona. Vicky Cristina Barcelona é novo filme de Woody Allen. Como sempre, o mote são relacionamentos e convenções sociais. Filmaço, amei. Ri. Mas saí com certas dúvidas do cinema. Vicky ama o pintor, mas não tem coragem de largar o marido chato (prá caralho) prá viver a loucura com o pintor. Cristina ama (ou amou em algum momento) o pintor, larga tudo para viver com ele. E María Elena ama o pintor. Que ama María Elena. Mas María Elena e o pintor não dão certo. Falta alguma coisa. Falta Cristina. Não, não é Almodovar. É Woody Allen - em grande forma. O desenlace do polígono amoroso vá descobrir no cinema. O que me interessa são dois pontos. Primeiro: dá prá atingir um equilíbrio entre convenções e interesses? Segundo: Cristina não sabe o que quer, mas sabe bem o que não quer. Descartar o que não quer é o que move sua vida. Insatisfação crônica? É possível saber o que se quer?

Pensei sobre o assunto no metrô, voltando prá casa (perdi a estação...). Cheguei à conclusão que tenho sido mais Cristina que Vicky. Ando descartando o que não quero, mesmo sem saber o que quero. Não sei se isso é saudável. Não sei se isso é socialmente aceitável. Ok, não sei porra nenhuma. Fazer o quê? Convenções são muito chatas. Acho que eu não nasci prá ser linha reta.

sábado, 15 de novembro de 2008

Um instante

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Aqui me tenho
como não me conheço
........nem me quis

sem começo
nem fim
.........aqui me tenho
.........sem mim

nada lembro
nada sei
à luz presente
sou apenas um bicho
.......transparente

Ferreira Gullar
(Muitas Vozes, 1999)

One art


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

-Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.

Elizabeth Bishop

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Perto do Coração Selvagem


"...sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu romperei todos os nãos que existem dentro de mim, provarei a mim mesma que nada há a temer, que tudo o que eu for será sempre onde haja uma mulher com meu princípio, erguerei dentro de mim o que sou um dia, a um gesto meu minhas vagas se levantarão poderosas, água pura submergindo a dúvida, a consciência, eu serei forte como a alma de um animal e quando eu falar serão palavras não pensadas e lentas, não levemente sentidas, não cheias de vontade de humanidade, não o passado correndo o futuro! o que eu disser soará fatal e inteiro! não haverá nenhum espaço dentro de mim para eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões, não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar sequer que estarei criando instante por instante, não instante por instante: sempre fundido, porque então viverei, só então viverei maior do que na infância, serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve e vaga como o que se sente e não se entende, me ultrapassarei em ondas, ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim, até a incompreensão de mim mesma em certos momentos brancos porque basta me cumprir e então nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo, de qualquer luta luta ou descanso me levantarei forte e bela como um cavalo selvagem."

Clarice Lispector
(Perto do Coração Selvagem, 1944)

Definições

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Abscesso é quando um pedaço de você resolve que não é mais seu, se revolta e vai embora. Antes de ir, faz com que você sinta bastante dor. Uma forma de manter viva a lembrança desse pedaço que não existe mais. Virou líquido. Escoou. Deixou o vazio em seu lugar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Dor de dente


Dor de dente do caralho. Dentista filho da puta que fodeu com a minha boca, eu vou te matar amanhã. Impressionante como a dor faz com que se junte com facilidade três ou quatro palavrões na mesma frase. E pensar que troquei uma obturação rachada e indolor por uma boca inchada e dolorida. Tomei dois tramal de cinqüenta miligrama de vez. Quarenta reais a caixa com dez comprimidos, um assalto. Grande médico sem juízo. O pior: leva uma hora prá fazer algum efeito. Eu quero sorvete de morfina. Dormir. Não dá mais prá pensar.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Almofadas, Tangos & Orangotangos


Ando tendo sonhos estranhos. Na noite de sábado sonhei com uma almofada preta. Sim. Almofada preta que sumia num buraco branco, meio Alice no País das Maravilhas, só que sem Alice e sem maravilhas. Por algum motivo (não lembro direito) eu tinha que recuperar a almofada preta. Caí no buraco, ficou tudo escuro. Angústia. Acordei procurando a almofada preta. Não encontrei. Alguém perguntou se estava tudo bem. Eu disse que sim e tudo ficou escuro de novo. Ontem sonhei com orangotangos que tocavam tango. Orquestra completa numa clareira, no meio de uma floresta escura. Não havia regente, ou partituras, ou qualquer sinal de ordem. Mas cada orangotango tocava a sua parte com certeza e precisão, como se tivesse nascido fazendo aquilo. Como se nunca tivesse feito outra coisa. Ou como se vivesse em constante ensaio para um concerto. Parecia ser um tango argentino, um pastiche de Gardel, com cores meio modernas. Não havia pausas na música. Moto contínuo. Foi tudo ficando mais rápido, um acelerando perpétuo. De repente, não ouço mais nada. Mas os orangotangos continuam tocando. O segundo violino da terceira fileira olha prá mim, pisca o olho e solta um sorriso. Eu conheço esse sorriso. Não dá tempo de olhar de novo. Tudo escuro. Tudo claro. Acordado. Gato miando. Tempo nublado. No apartamento ao lado alguém ouve "Paris, Texas". Levanto e retorno ao meu tango diário.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Por que

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Amor meu, minhas penas, meu delírio
aonde quer que vás, irá contigo
meu corpo, mais que um corpo, irá um'alma
sabendo embora ser perdido intento

o de cingir-te forte de tal modo
que, desde então se misturando as partes
resultaria o mais perfeito andrógino
nunca citado em lendas e cimélios.

Amor meu, punhal meu, fera miragem
consubstanciada em vulto feminino,
por que não libertas do teu jugo,
por que não me convertes em rochedo,

por que não me eliminas do sistema
dos humanos prostrados, miseráveis,
por que preferes doer-me como chaga
a fazer dessa chaga meu prazer?

Carlos Drummond de Andrade
(Farewell, 1996)

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Orquestras e Orangotangos

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Então, já viu? São ótimas alternativas ao chatíssimo 007!
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Vi o "Orquestra" na pré-estréia oficial, graças a minha amiga superantenada e bem-relacionada brunamaria. Todo o burburinho, flashes e presença do elenco e do homem sem o qual - nas acertadas palavras da produtora - o filme não existiria, maestro Mozart Vieira. Muita emoção, não só pela história em si, verídica, mas pela perspectiva de que ainda há esperança e gente que faz o mundo valer a pena. Saí do Odeon pensando: "tá vendo? dá prá mudar o mundo sim!" É só começar do seu próprio mundo, ao invés de tentar o mundo dos outros primeiro.
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Os "Orangotangos" vi ontem. Confesso não que conhecia o livro nem o autor, Paulo Scott, nem nunca tinha ouvido falar no filme. Indicação do bonequinho d'O Grobo, sempre um perigo! Mas foi uma experiência interessante. Um filme "sem" cortes - mas com muitos recortes - em que basta passar pela tela para se tornar personagem. Visceral. Depois fiquei remoendo o filme enquanto bebia o 5º expresso do dia, olhava a rua, gastava um pouco mais do dinheiro que não tenho comprando uns livros...
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PS.: Durante a semana tem cinema nacional a R$4.00 para todos, inclusive os que não usam carteirinhas falsas. Política de resgate de público da ANCINE. Tá n'O Grobo de hoje.

domingo, 9 de novembro de 2008

Mais uma do Quintana...

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Astrologia

Minha estrela não é a de Belém:
A que, parada, aguarda o peregrino.
Sem importar-se com qualquer destino
A minha estrela vai seguindo além...

- Meu Deus, o que é que esse menino tem? -
Já suspeitavam desde eu pequenino.
O que eu tenho? É uma estrela em desatino...
E nos desentendemos muito bem!

E quando tudo parecia a esmo
E nesses descaminhos me perdia
Encontrei muitas vezes a mim mesmo...
Eu temo é uma traição do instinto
Que me liberte, por acaso, um dia
Deste velho e encantado Labirinto
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Mario Quintana
(Baú dos Espantos, 1986)

Emergência

Quem faz um poema abre uma janela
Respira, tu que estás numa cela
abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.

Quem faz um poema salva um afogado.


Mário Quintana
(Apontamentos de uma história sobrenatural. 1976)

sábado, 8 de novembro de 2008

Saldo da Madrugada

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Três paradas
Dois choques
Um óbito
(três minutos de silêncio)
...
...
...
Chama o maqueiro
Libera o leito
Tem mais alguém prá morrer esta noite?