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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Há 110 anos atrás...

... nascia Borges. Abrindo ao acaso saiu o poema que transcrevo abaixo.

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meus livros
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Meus livros (que não sabem que eu existo)
São tão parte de mim como este rosto
De fontes grises e de grises olhos
Que inultimente busco nos cristais
E que com a mão côncava percorro.
Não sem alguma lógica amargura
Penso que as palavras são essenciais
Que me expressam se encontram nessas folhas
Que não sabem quem sou eu, não nas que escrevi.
Melhor assim. As vozes dos mortos
Vão me dizer para sempre.

Jorge Luís Borges
(A Rosa Profunda, in Borges - Poesia. Ed. Cia das Letras. Tradução Josely Vianna Baptista.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O Frenesi de Julho

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Se o frenesi não fosse literário, mas sexual, julho teria sido um orgasmo múltiplo. Não que tenha sido recheado de leituras excitantes - não li quase nada. Mas foi tanta coisa ao mesmo tempo que ainda estou meio atordoado. Flip. Paraty antes de partir para lembrar. Manuel Bandeira. Uma semana só na companhia de amigos, livros, música e sonhos. Quem precisa de algo mais? Sorvete de morfina. Um biscoito da sorte chinês e profético. Muitos livros na bagagem de volta. Metade do peso devia-se ao Lobo Antunes. Como é belo o Lobo Antunes. E profundo e poético e infinitamente belo. A outra metade a alguns poetas. Companheiros de viagem. Mal deu tempo de desfazer a mala de Paraty - desfazer não, porque não desfaço malas. Elas que desfazem-se sozinhas. Viram pó. Mal as malas desfizeram-se e já era hora de reunir o pó novamente. Despedidas. Despedidas. Despedidas. Eu odeio despedidas. Eu não sei partir. Não aprendi a lição com o aeroporto - talvez por nunca ter morado perto de um. Não sei partir sem medo, sem remorso, sem saudade. Mas só chorei duas vezes. Sou econômico no choro. A primeira, quando me despedi de meus pais. A segunda, lendo um poema para alguém que, sem querer, mas muito feliz, acabei por amar. Aquele mesmo poema sobre a arte de perder, que volta e meia bate na minha porta. A última semana foi difícil. Dizer adeus. Reunir meus pedaços mais íntimos e enfiar numa mala (três...) até não caber mais uma migalha. Tentar, em vão, carregar tudo. Não cabe nas malas e dá vontade de chorar mais. Mas o choro não vem e tanta coisa precisa ser feita que não há tempo para chorar. Último compromisso no Rio: consulta com a astróloga. Uma amiga me diz que "eu fui à astróloga" é uma frase incompatível com a minha boca. Mas eu fui. Juro. E ela mandou eu parar de sofrer. Meu mapa natal aponta para o sucesso e a felicidade. É só não atrapalhar. Chega o dia. Correria. Mal dá tempo de pegar mais uns livros, tocar uma última música ao piano (e lembrar de quando só havia a música e nada mais importava), dizer adeus aos amigos mais queridos. Ia deixar uma carta de boas vindas para o Gato de Alice, num envelope amarelo, mas não deu tempo. Nem de dizer o quanto ele mudou a minha vida. Olho para Borges e eu sei que ele sabe que eu estou indo e que dessa vez, quando a porta fechar, eu não vou voltar por um longo tempo. Ele me olha com seus olhos amarelos e severos. Nós nos entendemos por olhares e miados desde o primeiro dia. Diz que não me preocupe e que cuidará de tudo até eu voltar.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O gato vai ao veterinário...

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- Oh, que lindo? Qual o nome dele?
- Borges.
- Oi, Bóris!
- Não, Borges mesmo.
- Ah, tá... Nome estranho, coitado!
- ...
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- Oh, que coisa fofa! Qual o nome dele?
- Borges.
- Ah, tá... É por causa do azeite, né?
- Ahn?
- É. Azeite Borges.
- ...
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- Nossa, que gato!
- Como?
- Seu gato. É um gato.
- Ah, sim.
- Tem nome?
- Borges.
- É? E ele mia em verso?
- Só quando tá no cio.

domingo, 14 de junho de 2009

Alívio

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Odeio domingo de manhã. Odeio domingo de manhã nessa cidade onde nem a folha da azaleia, que dá para a minha janela, balança com o vento. Isso é mentira. Porque odeio domingo de manhã em qualquer lugar. Mas aqui, parece que todos os defeitos do domingo de manhã são ressaltados. Nem ter dormido com Borges e acordado com Clarice diminuiu meu ódio mortal do domingo de manhã. Aliás, só aumentou. Porque, aparentemente, Clarice também tem ódio e é pior que o meu. É do domingo inteiro. Meu ódio do domingo pelo menos diminui no final do dia. Aindo acho que uma segunda-feira é só uma segunda chance. Segunda chance do que? Sei lá. De acontecer o que não sei o que é que deveria ter acontecido na semana passada e não aconteceu. Pode ser? Tá bom assim? Saco de vida em que se tem que explicar tudo, justificar tudo. Parece romance. Romance sempre tem recheio para dar conta de explicar tudo. Romances são cansativos, já disse Borges. Muito melhor viver num conto. Não tem de explicar nada a ninguém. Tem espaço suficiente para toda a complexidade e nenhum espaço para explicações. O leitor entenda como quiser. E se não entender nada, melhor ainda. Antes sinta, que entenda. Ou que só entenda depois de sentir. Ou que só se preocupe com isso muito depois de sentir. Muito melhor. Já passa do meio-dia. Alívio.
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quinta-feira, 11 de junho de 2009

O enigma da poesia

"Sempre que folheava livros de estética, tinha a desconfortável sensação de estar lendo as obras de astrônomos que nunca contemplavam as estrelas. Quero dizer, eles escreviam sobre poesia como se a poesia fosse uma tarefa, e não o que é em realidade: uma paixão e um prazer. Por exemplo, li com grande respeito o livro sobre estética de Benedetto Croce, em que aprendi que poesia e linguagem são uma "expressão". Ora, se pensamos na expressão de algo, tornamos a cair no velho problema de forma e conteúdo; e se pensamos sobre a expressão de nada em particular, isso de fato não nos rende nada. Assim, respeitosamente recebemos essa definição e passamos adiante. Passamos à poesia; passamos à vida. E a vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia - a poesia, como veremos, está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante."
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Jorge Luis Borges
(Esse Ofício do Verso, Ed. Cia das Letras, 2007)
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sábado, 28 de fevereiro de 2009

Borges Poeta


Voltando da Academia hoje, parei para tomar o tradicional sorvete de sábado e olhar a vitrine da livraria. Então o vi: "Poesias". Nova edição da obra poética de Borges, excluindo apenas os três primeiros livros, que já haviam sido republicados no ano passado com o título de "Primeira Poesia". Depois descobri que apesar da edição ser nova, a tradução é antiga, de Josely Vianna Baptista, feita para a editora Globo na década de 90. Mas vale assim mesmo, já que é uma boa tradução e o volume é bilíngue. Além disso, o excelente projeto editorial segue a linha dos demais volumes da "Biblioteca Borges", da editora Cia das Letras - que está relançando toda a obra de Borges (a maior parte em novas traduções) incluindo ensaios sobre o autor.
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"Poesias" inclui: Elogio da Sombra (1969), O Ouro dos tigres (1972), A Rosa Profunda (1975, o meu favorito), A moeda de Ferro (1976), História da Noite (1977), A Cifra (1981) e Os Conjurados (1985). Obviamente já comprei o meu, de onde reproduzo um dos que mais gosto.
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Um leitor
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Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;
eu me orgulho das que li.
Não fui um filólogo,
não pesquisei as declinações, os modos, a laboriosa mutação das letras,
o de que se endurece em te,
a equivalência do ge e do ka,
mas ao longo de meus anos professei
a paixão da linguagem.
Minhas noites estão repletas de Virgílio;
ter conhecido e esquecido o latim
é uma posse, porque o esquecimento
é uma das formas da memória, seu porão difuso,
a outra face secreta da moeda.
Quando em meus olhos se apagaram
as vãs aparências estimadas,
os rosto e a página,
dediquei-me ao estudo da linguagem de ferro
empregada por meus antepassados para cantar
espadas e solidões,
e agora, através de sete séculos,
desde a Última Tule,
tua voz me alcança, Snorri Sturluson.
O jovem, diante do livro, impõe-se uma disciplina precisa
e o faz em busca de um conhecimento preciso;
em minha idade, toda empresa é uma aventura
que limita com a noite.
Não acabarei de decifrar as antígas línguas do Norte,
não afundarei as mãos ansiosas no ouro de Sigurd;
a tarefa que empreendo é ilimitada
e há de acompanhar-me até o fim,
não menos misteriosa que o universo
e do que eu, o aprendiz.
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Jorge Luis Borges
(in O Elogio da Sombra - Poesia, Ed. Cia das Letras, 2009)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Súmula Psicopatológica de um Gato

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Aparência: peludo, bem escovado.
Atitude: ar de superioridade
Consciência: claramente felina
Orientação: orientado no tempo e espaço
Atenção: hipervígil, normotenaz
Inteligência: acima da média
Memória: muito boa para o quer lembrar
Linguagem: miada
Pensamento: impossível de avaliar
Humor: instável, irritável
Afeto: congruente ao humor
Vontade: hiperbúlico principalmente na madrugada
Pragmatismo: desiste fácil
Psicomotricidade: hiper-mega-agitado
Sensopercepção: ilusões visuais
Consciência do eu: eu não saberia dizer...
Planos para o futuro: comer royal canin, brincar com o Césio. dormir no sofá
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Diagnóstico Sindrômico: Síndrome do Gato Irritável
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Diagnóstico Nosológico: Transtorno do gato bipolar

sábado, 1 de novembro de 2008

Meus dois Borges

Depois de muito tempo pensando se eu deveria co-habitar ou não com um outro animal, decidi, há alguns meses atrás, por um gato. Influências do Sr. Schmitt, que encontrou o gato em questão "perdido" num petshop na Uruguaiana.
O felino recebeu o honroso nome de Borges e deve ter herdado junto com o nome o temperamento do velho escritor portenho cego. Por falar em nomes, outro dia, no petshop, com o felino no colo, uma senhora se aproxima e diz: "Que lindo! Como se chama?" Respondo: "Borges". Réplica: "Borges, mas isso é sobrenome! Quem coloca um nome desses num gato?". Tréplica falada: "Eu mesmo." Tréplica pensada: "Cale a boca, sua vaca ignorante". Enfim... Não é qualquer um que pode conviver com um gato poeta.



El suicida

No quedará en la noche una estrella
No quedará la noche
Moriré y conmigo la suma
Del intolerable universo.
Borraré las pirámides, las medallas,
Los continentes y las caras.
Borraré la acumulación del pasado.
Haré polvo la historia, polvo el polvo.
Estoy mirando el último poniente.
Oigo el último pájaro.
Lego la nada a nadie.

Jorge Luis Borges
"La rosa profunda". In: _____ Obras completas.
1975-1985. Vol.2. Buenos Aires: Emecé, 1989, p.86.