sábado, 28 de fevereiro de 2009

Borges Poeta


Voltando da Academia hoje, parei para tomar o tradicional sorvete de sábado e olhar a vitrine da livraria. Então o vi: "Poesias". Nova edição da obra poética de Borges, excluindo apenas os três primeiros livros, que já haviam sido republicados no ano passado com o título de "Primeira Poesia". Depois descobri que apesar da edição ser nova, a tradução é antiga, de Josely Vianna Baptista, feita para a editora Globo na década de 90. Mas vale assim mesmo, já que é uma boa tradução e o volume é bilíngue. Além disso, o excelente projeto editorial segue a linha dos demais volumes da "Biblioteca Borges", da editora Cia das Letras - que está relançando toda a obra de Borges (a maior parte em novas traduções) incluindo ensaios sobre o autor.
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"Poesias" inclui: Elogio da Sombra (1969), O Ouro dos tigres (1972), A Rosa Profunda (1975, o meu favorito), A moeda de Ferro (1976), História da Noite (1977), A Cifra (1981) e Os Conjurados (1985). Obviamente já comprei o meu, de onde reproduzo um dos que mais gosto.
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Um leitor
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Que outros se vangloriem das páginas que escreveram;
eu me orgulho das que li.
Não fui um filólogo,
não pesquisei as declinações, os modos, a laboriosa mutação das letras,
o de que se endurece em te,
a equivalência do ge e do ka,
mas ao longo de meus anos professei
a paixão da linguagem.
Minhas noites estão repletas de Virgílio;
ter conhecido e esquecido o latim
é uma posse, porque o esquecimento
é uma das formas da memória, seu porão difuso,
a outra face secreta da moeda.
Quando em meus olhos se apagaram
as vãs aparências estimadas,
os rosto e a página,
dediquei-me ao estudo da linguagem de ferro
empregada por meus antepassados para cantar
espadas e solidões,
e agora, através de sete séculos,
desde a Última Tule,
tua voz me alcança, Snorri Sturluson.
O jovem, diante do livro, impõe-se uma disciplina precisa
e o faz em busca de um conhecimento preciso;
em minha idade, toda empresa é uma aventura
que limita com a noite.
Não acabarei de decifrar as antígas línguas do Norte,
não afundarei as mãos ansiosas no ouro de Sigurd;
a tarefa que empreendo é ilimitada
e há de acompanhar-me até o fim,
não menos misteriosa que o universo
e do que eu, o aprendiz.
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Jorge Luis Borges
(in O Elogio da Sombra - Poesia, Ed. Cia das Letras, 2009)

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