quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Gonçalo Tavares


Tenho pedras no bolso.
Muitas pedras no bolso.
Troco duas pedras por uma máquina de pensar.
Quando penso dói-me a cabeça.
Daí as pedras.
Tenho 5 pedras porque penso mal 5 vezes.
Tenho 5 pedras nos bolsos.
.
Quero viajar
Mas para viajar é necessário ser leve.
As pedras são pesadas.
Não consigo viajar com tantas pedras.
Tenho tantas pedras dentro da cabeça, dentro do crânio.
Total: 5.
Daí o meu peso.
Impossível viajar com tanto peso.
.
Quero comprar um máquina que pense por mim.
Tenho o livro de um filósofo.
Tenho 2 livros de um filósofo.
Um livro é uma máquina que pensa por mim
e é uma máquina barata.
Mas eu não quero que pensem por mim sempre
da mesma maneira.
O mesmo livro pensa sempre da mesma maneira.
Se eu fechar o livro, calo-me, e as pedras pesam-me
mais no crânio.
Se eu abrir o livro começo a falar, mas digo sempre
a mesma coisa.
.
Alguém me disse que um livro de poesia é diferente.
É uma máquina muito mais rápida.
A cada vez que passa, passa de outra maneira.
Deve ter pés estranhos.
Pés adaptáveis à terra
Ou então capazes de a dominar.
De resto nunca li um livro de poesia.
Sou demasiado homem para isso.
Sou demasiado contemporâneo: trabalho muito.
Ler poesia para quê?
Eu trabalho muito, sou contemporâneo. Ler poesia para quê?
.
Gonçalo M. Tavares
(in O Homem ou é tonto ou é mulher, Ed. Casa da Palavra, 2005)

Nenhum comentário: