sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Definições X

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Dúvida é quando você sabe exatamente o que quer fazer, mas acha que deveria querer outra coisa. Aí, sua mente usa todos os argumentos do mundo para tentar convencer a si mesma de que está errada - e portanto correta. A luta mental continua, até que alguém perca - você - e alguém ganhe - você, ou quando vocês dois resolverem começar a terapia.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Não, não morri...


Pollock, o dedo do menino & a post-doc russa

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(The she-wolf, Pollock, 1943 - MoMa/NY)
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Acompanhando a crise econômica, financeira, ambiental e sexual do mundo, minha criatividade também anda em crise. Resta-me exibir a criatividade alheia. Se você entrou no google hoje, deve ter percebido a homenagem ao Pollock. O que me lembra minha grande amiga, post-doc russa, Luchwanka - que ama Pollock. Ama tanto que quase espancou um garotinho, que por total descuido dos pais, quase furou uma das telas do pintor em exposição no MoMa, no ano passado. Depois, "gentilmente", solicitou a todos os presentes que saíssem da frente, para que ela pudesse tirar uma foto com sua obra preferida...
...
(Luchwanka expulsando as pessoas)

(Luchwanka feliz, com One:Number 31, Pollock, 1950, MoMa/NY)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Frase do dia, digo, da noite...

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“Paremos e reflitemos.”
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Definições IX

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Vazio é quando você procura as palavras e não encontra. Quer lamentar, mas não há lamento. Quer chorar, mas não há lágrimas. Quer levantar, mas não há pernas. O vazio não é um buraco negro. Porque tudo está dentro do buraco negro. O vazio é um buraco branco onde nada entra.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

José

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E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
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Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
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E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, e agora?
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Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
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Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você consasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
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Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
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Carlos Drummond de Andrade
(in José & Outros, Ed. Record, 2007)

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Gonçalo Tavares


Tenho pedras no bolso.
Muitas pedras no bolso.
Troco duas pedras por uma máquina de pensar.
Quando penso dói-me a cabeça.
Daí as pedras.
Tenho 5 pedras porque penso mal 5 vezes.
Tenho 5 pedras nos bolsos.
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Quero viajar
Mas para viajar é necessário ser leve.
As pedras são pesadas.
Não consigo viajar com tantas pedras.
Tenho tantas pedras dentro da cabeça, dentro do crânio.
Total: 5.
Daí o meu peso.
Impossível viajar com tanto peso.
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Quero comprar um máquina que pense por mim.
Tenho o livro de um filósofo.
Tenho 2 livros de um filósofo.
Um livro é uma máquina que pensa por mim
e é uma máquina barata.
Mas eu não quero que pensem por mim sempre
da mesma maneira.
O mesmo livro pensa sempre da mesma maneira.
Se eu fechar o livro, calo-me, e as pedras pesam-me
mais no crânio.
Se eu abrir o livro começo a falar, mas digo sempre
a mesma coisa.
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Alguém me disse que um livro de poesia é diferente.
É uma máquina muito mais rápida.
A cada vez que passa, passa de outra maneira.
Deve ter pés estranhos.
Pés adaptáveis à terra
Ou então capazes de a dominar.
De resto nunca li um livro de poesia.
Sou demasiado homem para isso.
Sou demasiado contemporâneo: trabalho muito.
Ler poesia para quê?
Eu trabalho muito, sou contemporâneo. Ler poesia para quê?
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Gonçalo M. Tavares
(in O Homem ou é tonto ou é mulher, Ed. Casa da Palavra, 2005)

domingo, 18 de janeiro de 2009

Belo belo


Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação do voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quere rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.

Manuel Bandeira
Petrópolis, fevereiro de 1947
(in Belo belo, Estrela da Vida Inteira)

sábado, 17 de janeiro de 2009

A guerra, os guerreiros e a volta de Jack


Os bombardeios continuam e, ao que parece, ainda há muito o que se falar sobre o conflito Israel x Palestina. Aliás, só se fala nisso. Até o porteiro aqui do prédio tem opinião formada sobre o assunto. Eu não tenho. Enquanto penso no assunto, aproveito a estreia (sem acento) da nova temporada de 24. Yep... Jack Bauer - o terror dos defensores dos direitos humanos - está de volta. A pergunta que não quer calar: haverá espaço para para Jack nos USA pós-Bush? Jack é cria do 9-11, fez sucesso no momento em que o combate ao terror era a tônica de uma nação. E para tanto, todos os métodos eram válidos. Deu no que deu. Ao contrário de Jack, que passou seis temporadas salvando os USA (e o mundo...) de ameaças terroristas, os Real Jacks afundaram-se numa guerra de propósitos e resultados questionáveis. Se os fins justificavam os meios, o que fazer quando não se conseguiu atingi-los - mesmo utilizando-se de todos os meios? Não é coincidência que esta sétima temporada comece com Jack sendo investigado pelo Senado Americano. O crime? Uso de violência excessiva contra suspeitos - vulgarmente conhecido como tortura. Mas não se anime, não dura muito tempo. Rapidamente Jack é convocado para aplicar seus métodos em mais alguns suspeitos. Assim como o conflito Israel-Palestina, Jack ainda tem vida longa...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Dois choros


Choros no.5

choro número um
de fome e medo
choro número dois
de raiva e fúria
choro número três
de angústia e dúvida
choro número quatro
de uma suposta alegria
choro número cinco
de espera
chora pelo que sequer aconteceu?
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Chorinho brasileiro

chora hoje
o choro triste
o que restou
chora hoje
o que sobra
talvez não seja
suficiente
para chorar
um novo choro
amanhã

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Definições VIII

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Inspiração é quando a luz acende, a conversa rende e o poeta entende o que faltava para completar o poema. Inspiração não frequentou (sem trema) escola de trânsito. Quando vem, é atropelando. Quando vai... bem, quando vai... foi.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Universo

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O Universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

Alberto Caeiro
01-10-1917
(in Ficções do Interlúdio)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Abismo

Todos me indicam o caminho contrário.

Bebi na música
E fechei-me a sós com o sonho.

Quando acordei
Haviam destruído os gramofones
E a treva anterior envolvia a cidade.

O mar passava nos braços
Uma pulseira de mortos.

Abri um pé de magnólia
Dando sombra ao Minotauro.
Desde então
Um peito é zona de guerra,
Fiz um eixo com as estrelas.

A poesia em pára-quedas
Tanto desce como sobe.

Murilo Mendes
(As Metamorfoses)

Damascos recheados na calda de flor de Laranjeira

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Comece em uma tarde de tédio. Reúna força, coloque uma roupa e chame o elevador. Siga em busca dos damascos, pelo caminho mais longo. Passe pela livraria, pare, olhe bastante e - se não for comprometer a receita - compre um ou dois livros. E tome um expresso, duplo. Mas não se esqueça dos damascos. Passe pela praia. É sempre bom e nunca se sabe quem pode aparecer. Resista ao sorvete de amarena. Siga o caminho das pedras que vai dar no sebo. Dê mais uma olhada (não só nos livros). Leve o que der. Chegando ao estabelecimento, escolha bem o vendedor e peça meio quilo de damascos turcos graúdos - os melhores que houver. Junte cem gramas de amêndoas inteiras sem casca e sem pele. Complete com um vidro de água de flor de laranjeira. Se não houver açúcar em casa, leve um quilo também. E vai precisar do suco de uma laranja. Feitas as compras, retorne para casa lendo um dos novos livros. Tropece em algumas pessoas interessantes propositadamente. Ao chegar, coloque no fogo um copo de água, o suco da laranja, três colheres de água de flor de laranjeira e uma xícara de áçucar. Quando levantar fervura, jogue os damascos e deixe hidratar. No meio tempo, cheque os e-mails, dê uns sorrisos e leia um pouco mais. Não deixe os damascos queimarem. Quando estiverem macios, mas não moles, retire do fogo, escorra a calda e recheie com as amêndoas. Volte a calda para o fogo e acrescente mais um copo de água, uma colher de água de flor de laranjeira e meio copo de ácuçar. Deixe ferver dez minutos e desligue o fogo. Quando estiver frio, coloque os damascos em um vidro e complete com a calda até cobrir. Terminando, tente lembrar porque começou. Se não conseguir, não se preocupe. Coma um damasco e vá dormir.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Meio-adeus

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um pé de meia
.................perdido
encontrado,
...........dá o recado
.................postergado

- não voltarei

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Definições VII

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Solidão é um mudo, cego e surdo, no meio de uma multidão. Há dois tipos: os que nasceram assim - são raros, e os que ficaram assim - são comuns. Às vezes, alguém se atreve a fazê-lo falar, ou ouvir, ou ver, ou qualquer combinação destes três. Cria-se uma situação instável. Reduz-se a entropia do universo, logo dura pouco. O retorno é inevitável. A solução definitiva não admite a ação de terceiros. Requer que as próprias mãos façam ver, ouvir e falar.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A un gato


No son más silenciosos los espejos
ni más furtiva el alba aventurera;
eres, bajo la luna, esa pantera
que nos es dado divisar de lejos.
Por obra indescifrable de un decreto
divino, te buscamos vanamente;
más remoto que el Ganges y el poniente,
tuya es la soledad, tuyo el secreto.
Tu lomo condesciende a la morosa
caricia de mi mano. Has admitido,
desde esa eternidad que ya es olvido,
el amor de la mano recelosa.
En otro tiempo estás. Eres el dueño
de un ámbito cerrado como un sueño

Jorge Luis Borges

Horóscopo de Domingo II

sábado, 3 de janeiro de 2009

Conversation


The tumult in the heart
keep asking questions.
And then it stops and undertakes to answer
in the same tone of voice.
No one could tell the difference.

Uninnocent, these conversations start,
and then engage the senses,
only half-meaning to.
And then there is no choice,
and then there is no sense;

until a name
and all its connotation are the same

Elizabeth Bishop
(O iceberg imaginário e outros poemas,
Ed. Cia das Letras, Org. Paulo Henriques Brito)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Memórias


Nacib Daher. Quinto filho de um casal recém-imigrado de Richmaya, no Líbano, para o Brasil, no final do século XIX. Honestamente, lembro-me de poucos momentos com meu bisavô. O sobrado. Ele, baixinho, sorrindo, sentado na cadeira da varanda, assobioando com os passarinhos. Curiós e canários. Ele, na casa da praia, brincando comigo no balanço improvisado na amendoeira. Tinha um rosto enigmático - ao menos para mim. Eu e minha prima brincando no balcão da loja. Falava baixo. Sempre. Quase sempre. Havia a Lyra de Arion. Ele amava a música. Definitivamente, algumas coisas passam de pais para filhos. O dia do velório. O silêncio. Mas ele amava a música! Hoje só haverá silêncio. Memórias. Impressões. Sugestões. Restaram os sonhos, quando ele ainda canta baixinho, acompanhando um último canarinho.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Previsões eternas de uma tarde de verão


Continuará a chover nos verões
Ficará mais quente
Nova guerra velha eclodirá
Pessoas continuarão a sofrer por motivos diversos
Muitos nascimentos ocorrerão
Muitas mortes ocorrerão
Alguns sortudos ficarão mais ricos
Muitos infelizes ficarão mais pobres
Ingênuos continuarão a acreditar em Criaturas Imaginárias
Criaturas Imaginárias continuarão existindo
Previsões continuarão a ser feitas
A despeito de acertos e erros, a Terra continuará a girar