sábado, 13 de dezembro de 2008

Os cegos do metrô


Quando foi que rir se tornou o melhor remédio? Alguém, por favor, me diga. Não há mais indignação. Tudo é piada. Não há mais dignidade. Tudo é escárnio. As pessoas riem da desgraça alheia e talvez pior - da própria desgraça. Ontem, usei o metrô para ir ao trabalho. Já estou acostumado com o caos que é usar o metrô no sentido Estácio, na sexta-feira, no horário do rush. Todo mundo também já sabe do mau funcionamento dos trens, do despreparo dos funcionários, da displicência da concessionária e da falta de investimento. Mas o que vi ontem me deixou chocado. Começou aqui mesmo, na estação Siqueira Campos. A composição levou 15 minutos parada, aguardando a "normalização do tráfego à frente". O Rio de Janeiro é único lugar no mundo que tem engarrafamento diário no metrô - o que é uma piada, considerando que só há dois sentidos, o que vai e o que vem. Obviamente, a composição saiu lotada da estação, já que as portas ficaram abertas durante todo o tempo. Em Botafogo, já não havia espaço sequer para uma mosca varejeira dentro do vagão. Mas o suplício continuou a cada estação. Dentro do vagão, uma senhora sentia-se mal, enquanto vários riam da situação e diziam "quer espaço? pegue um táxi". A partir do Largo do Machado, o caos reinou. Pessoas eram jogadas para o meio do vagão por uma multidão enfurecida. Na porta, alguns trogloditas gabavam-se de ter "barrado" alguns e deixado outros entrarem. Mais gente passando mal. Mais risos de escárnio. Na Cinelândia, uma pessoa passando mal conseguiu, com muito custo, deixar a vagão, aos gritos de "já vai tarde" vindos da multidão. Ao sair do vagão, começou a vomitar. Não havia funcionários do metrô para ajudá-la. Pelo menos não apareceu nenhum, nos quase cinco minutos em que o metrô ficou parado. Dentro do vagão começaram as brigas. Se você viu "Ensaio sobre a Cegueira" no cinema, ou leu o livro, vai conseguir visualizar a cena. Dentro do metrô, aparentemente, as pessoas ficaram "cegas". Contagem regressiva para chegar à Central, onde muitos saltam. Portas abertas, a boiada liberta. Uma senhora foi pisoteada. Não é uma figura de linguagem. Ela foi pisoteada por uma multidão enfurecida. De novo, não havia funcionários do metrô para socorrê-la. Os cegos deixaram a composição. Os poucos que restaram olhavam assustados. Mas só durou uma estação. Já na Praça Onze, ninguém mais se lembrava do ocorrido. Eu sei que você vai dizer que a culpa é do governo, do MetrôRio, do condutor do vagão ou quem mais estiver na frente. Que não há transporte suficiente para todos, que não se investe na expansão do metrô, que a única coisa que fizeram foi colocar mais ônibus nas ruas com o símbolo do metrô, para dizer que o metrô chega em todos os lugares (e você ainda paga mais pela ineficiência do sistema). Eu sei. Mas, sinto muito, isso não justifica os seus atos. Isso não justifica o riso, o escárnio, a falta de solidariedade e indignação, nem o desprezo. Isso não justifica a sua cegueira branca. Nem a minha. Porque não haverá solução, se além de tudo que já não temos, ainda perdermos a humanidade. Aí, nem com muito, mas muito sorvete de morfina.

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