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Leito 3 ou "Des-conto de Natal"
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Noel, 50 anos, pardo, morador da Rocinha. Carrega no ombro o peso da carne e do nome. Se morasse na Vila, poderia ter sido sambista. Mas nasceu no morro. De favela em favela, chegou à maior delas. O físico avantajado ajudou, mas foi o nome que determinou seu lugar no mundo - desde sempre iria ser Papai Noel. Profissão ingrata. Quem é que se satisfaz com o que Papai Noel pode oferecer hoje em dia? Já ouviu-se criança dizer que o velhinho se mudou da Lapônia para o Submarino, de onde envia - via sedex e sem cobrar frete - presentes de todo o tipo, durante o ano todo. Se sempre foi gordinho, talvez o estresse, o desemprego e uma penca de crianças insaciáveis tenham piorado a situação. Hoje, Noel pesa cento e oitenta quilos. Hipertenso, diabético, dislipidêmico, angina. Síndrome metabólica - disse o médico. Precisa perder peso - disse o nutricionista. Vamos reduzir o estômago - disse o cirurgião. Não no Natal - disse Noel. Como poderá haver Natal sem Noel? É urgente - disseram todos. Dia vinte e dois de dezembro o estômago de Noel encolheu. Dia vinte e três, boa recuperação. Dia vinte e quatro, febre alta, dor abdominal, distensão, irritação peritoneal. Chame o cirurgião. Vai precisar abrir. Sepse. Barriga aberta - cena bizarra. O estômago encolhido cresceu. Cheio de formas, em plena atividade criativa cuspia ao intestino carrinhos, bonecas, bolinhas de gude... Presentes de antigamente. Expelidos limpos e embalados, iam enchendo o saco de Noel. O cirurgião tentou, em vão, reduzir novamente o estômago de Noel. Era meia-noite do dia vinte e cinco quando o processo cessou e Noel morreu. Chão abarrotado de presentes, embrulhos com laços de fita. Atestado de óbito. Causa do óbito? Sem saber o que dizer, escreveu: descrença.
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