quinta-feira, 30 de julho de 2009

Maresia

anote aí:
novo endereço
californian street
northwest
wash, d.c.

tudo o que eu levo:
três malas pretas
uma bolsa vermelha
com alguns poetas
e algumas meias;
duas cadeiras
(velhas);
oito pratos, oito copos, oito xícaras;
fotografias

dormirei no chão
lendo poesia
e ouvindo maresia

antes de dormir
uma taça – não tenho taças –
um copo
de um prosecco
um cigarro
- não pode, em país civilizado só se fuma na pracinha -
okay, smoking-free

e dormirei no chão
lendo poesia
e ouvindo maresia

ouvindo a maresia
guardada no fundo
da mala
feito anestesia
dormirei
ouvindo a maresia

terça-feira, 28 de julho de 2009

Como nasce um poema?

achei um sebo otimo aqui... com uma grande estante de poesia. E achei a Bishop, " Edgar Allan Poe & the Juke-box - Uncollected Poems, Drafts and Fragments." Fantastico o livro, tem varios poemas desconhecidos dela e, no final, um conjunto de fac-similes com todos os rascunhos de "One Art" da primeira versao (que reproduzo abaixo) ate a versao definitiva, publicada no The New Yorker, na edicao de 26 de Abril de 1976.

HOW TO LOSE THINGS? / THE GIFT OF LOSING THINGS

One might begin by losing one's reading glasses
oh 2 or 3 times a day - or one's favorite pen.

THE ART OF LOSING THINGS

The thing to do is to begin "mislaying".
Mostly, one begin by "mislaying":
keys, reading-glasses, fountain pens
- these are almost too easy to be mentioned,
and "mislaying" means that they usually turn up
in the most obvious place, although when one
is making progress, the places grow more unlikely
- This is by way of introduction. I really
want to introduce myself. I am such a
fantastic lly good at losing things
I think everyone shd. profit my experiences.

You may find it hard to believe, but I have actually lost
I mean lost, and forever, two whole houses,
one a very big one. A thir house, also big, is
at present, I think "mislaid" - but
maybe it's lost too. I won't know for sure for some time.
I have lost one peninsula and one island.
I have lost - it can never be has never been found -
a small-sized town on that same island.
I've lost smaller bits of geography, like
a splendid beach, and a good-sized bay.
Two whole cities, two of the
world's biggest cities (two of the most beautiful
although that's beside the point)
A piece of a continent
and one entire continent. All gone, gone forever and ever.

One might think this would have prepared for me
for losing one average-sized not exceptionally
beautiful or dazzling intelligent person
(excepto for blues eyes)
But it doesn't seem to have, at all...

a good piece of one continent
and another continent - the whole damned thing!
He who lose his life, etc. - but he who
loses his love - never, no never never never again.

domingo, 26 de julho de 2009

Muito, muito suspeito...

Primeiro post daqui, do mundo de ca. Atualizacao para os amigos que leem o blog. O teclado do laptop emprestado que eu uso nao deixa que eu acentue as palavras. Estou feliz por ter trazido o maximo possivel de livros. Ontem levei duas horas na imigracao. Alguem, no consulado americano, assinou um dos meus formularios com caneta vermelha. Segundo o funcionario da imigracao, isso eh muito, muito, muito suspeito (resquicios do anti-comunismo?). Quase perdi a conexao Miami-DC por causa disso. Nao perdi. Mas cheguei cinematograficamente com o portao de embarque fechando, apos ter berrado com cada pessoa que tentava barrar meu caminho "I have a flight in 10 minutes!". Mas o mais engracado mesmo foi na alfandega, logo apos ter sido liberado pela imigracao. O cara viu a minha bagagem e perguntou, "Is your family travelling with you?". Eu respondi que nao, a bagagem era toda minha mesmo. Ele respondeu que isso era muito, muito, muito suspeito. E me mandou ir ateh o oficial que passava as malas no raio-x. Eu berrei mais uns "I have a flight in 10 minutes" e para minha sorte, o oficial, que era jovem, bonito e simpatico, nao me achou muito suspeito, apesar das muitas malas e do visual rock 'nd roll. No balcao da AA encontrei uma boa alma que me levou pela entrada de funcionarios ateh o local para despachar a bagagem e depois me deixou proximo a entrada do portao de embarque. E5 seria o meu portao. De um lado estavam o E4, seguido do E6. Do outro o E3, seguido do E7. Onde foi parar a porra do E5??? Apos correr de um lado para o outro umas tres vezes, um funcionario do aeroporto, achou aquilo muito, muito, muito suspeito e perguntou o que estava havendo. Expliquei a situacao e ele me mostrou o E5, que ficava atras de uma pilastra enorme. Sai correndo, o portao de embarque automatico estava fechando, jah pela metade, e eu berrando "don't close the gate!" Fui o ultimo a embarcar. Quase quatro horas depois, estava em DC. Dessa vez ninguem me achou muito suspeito e jah no baggage claim encontrei uma cara conhecida. Ufa, cheguei! Foi tudo o que consegui pensar ateh agora.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Definições XVI

.
Mudança é quando seu lugar no mundo muda de lugar. Por um instante perde-se o eixo. Às vezes achá-lo de novo demora. Às vezes, ele some definitivamente e aí é preciso construir um novo eixo. Isso dá trabalho e dói. É quando a morfina ajuda. O problema maior de perder o eixo é que para construir um novo, é preciso deixar coisas e pessoas pelo caminho - nem tudo pode ser enrolado em plástico bolha e acondicionado em caixas de papelão. O que nem importa tanto, se com o novo eixo pronto, você souber navegar na direção certa.

Ouvindo...



Seu Pensamento
(Adriana Calcanhotto)

A uma hora dessas
por onde estará seu pensamento
Terá os pés na pedra
ou vento no cabelo?

A uma hora dessas
por onde andará seu pensamento
Dará voltas na Terra
ou no estacionamento?

Onde longe Londres Lisboa
ou na minha cama?

A uma hora dessas
por onde vagará seu pensamento
Terá os pés na areia
em pleno apartamento?

A uma hora dessas
por onde passará seu pensamento
Por dentro da minha saia
ou pelo firmamento?

Onde longe Leme Luanda
ou na minha cama?

terça-feira, 21 de julho de 2009

Manual de Funcionamento do Gato - FAQ

(para o Gato de Alice)

1. O gato está miando. O que isso significa?
De manhã quase sempre é comida. À noite é prá bater papo ou você esqueceu de limpar a caixinha (é só tirar o cocô e trocar areia quinzenalmente - Gatto's Bianco)

2. Não encontro o gato. Onde ele está?
Verifique nessa ordem: debaixo da cama, atrás da cortina, dentro do box do banheiro, dentro dos armários, dentro da gaveta mais baixa na cozinha. Só então se desespere.

3. Acabou a ração. Posso dar leite ou outro alimento?
NÃO. Nunca. Tudo que o gato come sai por algum lugar. Pense nisso antes de alimentá-lo.

4. Ainda tem ração no pote mas o gato não come. Por que?
Você encheu demais o pote da última vez. O cheiro acabou. Misture ração nova e não encha tanto da próxima vez. Royal Canin Persian 32 custa caro, não desperdice.

5. O gato soltou um negócio estranho e amarelo pela boca. O que eu faço?
O negócio estranho chama-se bola de pelos. Escove o gato três vezes por semana. Dê pasta de malte diariamente. Se não resolver: tosa.

6. Encontrei excrementos fora da caixinha. O que isso significa?
Que existe mais alguém além do gato na casa. O gato jamais deixa de usar a caixinha.

7. São 3:45 e o gato está miando. O que eu faço?
Jogue uma almofada nele e ele entenderá o recado. Lembre-se que é normal que o gato fique agitado à noite.

8. O gato está chorando. Por que?
É remela. Tire com papel ou cotonete (operação diária...).

9. Quando eu pego o gato no colo ele me arranha. O que fazer?
Corte as unhas (só as pontinhas).

10. O gato faz barulhos estranhos. O que isso significa?
Existem vários tipos de barulhos. Você aprenderá logo a reconhecê-los. Os mais importantes são:
limpeza das patas pós-cocô; uivo pré bola de pelos; uso do arranhador.

11. Posso levar o gato para passear?
Tente uma vez e depois me responda.

12. Com que freqüência devo dar banho no gato?
Nenhuma. Quando for preciso você vai saber.

13. Vou sair. E o gato?Negrito
O gato funciona sozinho. É só deixar comida e água em boa quantidade e deixar a janela entreaberta.

domingo, 19 de julho de 2009

Sobre Uma Arte

Releio um poema
querido
que me lembra:

"- A arte de perder não é nenhum mistério."*

Triste dizer
que perder só é fácil
em poema

Em prosa,
perder é sim
algo muito sério

Por isso o sorvete
de morfina existe
para que perder

seja menos triste e
sem dor eu aprenda
a perder em poema

Para que eu aprenda
a perder sem fazer
da perda prosa

Sem fazer da perda
prosa eu consiga
entender a sério

Por que a arte de
perder não é
nenhum mistério

(* verso de "Uma Arte" de Elizabeth Bishop, tradução de Paulo Henriques Britto)

sábado, 18 de julho de 2009


.
Esquadros
(Adriana Calcanhotto)
.
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
.
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
.
Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...
.
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
.
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
.
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle
.
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
.
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle

terça-feira, 14 de julho de 2009

O Frenesi de Junho

Por incrível que pareça o frenesi de junho não foram os livros. Foi a estante. Eu sempre tive tantos livros e nunca tive uma estante. Agora eu tenho. Por poucos dias. Logo, voltarei a ter livros sem estante. Empilhados. Desorganizados. Muito usados e relidos. Por esse breve espaço de tempo há a prateleira dos poetas, a dos filósofos, a dos velhos e dos novos brasileiros, a de Borges e a de Clarice. Simone de Beauvoir olha para um horroroso Jean Paul-Sartre com um cachimbo - téte-a-téte. O amor é cego. Mário Quintana bate papo com Drummond. Bandeira elogia Vinícius e Ferreira Gullar, ainda jovem, não se sente parte do grupo e insiste em ficar caindo de lado. Foucault, por algum motivo obscuro, foi parar em cima da Lógica da Pesquisa Científica. Daqui, de onde escrevo, não consigo enxergar Platão, mas sou insistentemente observado por Freud em vinte e quatro volumes que gritam: análise! análise! análise! As lésbicas modernistas estão deprimidas e se reuniram do outro lado, viradas para o piano. Gertrude Stein talvez não tenha gostado de virar poema. Ou talvez seja porque não gostam de ver meninos dormindo pelados. E Clarice, de ponta-cabeça, que me olha com uma cara séria, como quem diz: tá me lendo? por quê? tá achando que me entende? Eu digo a eles que aproveitem a mordomia e conforto da estante. Aproveitem o direito de ter um lugar só seu, especialmente seu, mesmo que seu por acaso. Em breve só verão o fundo do malão preto e sem graça, sem ar e sem vida. E quando voltarem a respirar, estarão todos - inclusive eu - muito longe de casa. Sem problemas. A dona do iceberg imaginário por um instante se vira e me lembra que a arte de perder - por mais sério que possa parecer - não é nenhum mistério.

sábado, 11 de julho de 2009

Último Tango

quantos tangos ainda não dançamos
na intensidade louca e urgente
e explícita dos nossos encontros
noturnos diurnos sem hora sem
razão sem nexo sem querer que
fosse nada além do momento e
que muito mais que o momento
se tornaram e agora e agora
que falta seu sorriso falta
você me chamando de chato
você reclamando do gato
você declamando Tchekov
e me contando do teatro
falta sua boca brincando
e marcando meu pescoço branco
enquanto eu sorria e te oferecia
meu corpo e a força dos meus braços
que você usava e me devolvia
ao fim em pulsante líquido doce
suave sabor que impregnava
enlouquecia e naquele momento
sem poder dizer que te amava
me fazia blasé te beijava a boca
enquanto você sem poder dizer
o que sentia me dizia apenas que
era a última vez a última
tão lírico eu e você
um tango argentino
tanta intensidade
ameniza a saudade
e me faz carregar você em mim

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Frase do dia, digo, da noite...

.
"Les événements m'ennuient"
.
..............................................Paul Valery
.

Dilema

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.
No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imerso num universo
que não é feito de mim.
Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.
Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.
.
Antonio Cícero
(Guardar, Ed. Record 1996)

terça-feira, 7 de julho de 2009

Segunda Profecia

(na fila dos autógrafos)

- Sim, é Daher, com agá.
- Bonito esse nome. De onde vem?
- Líbano.
- É um bom nome para um escritor.
- É?
- É.
- Quem sabe...


Primeira Profecia

(do biscoito da sorte do china in box)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Lembranças

.

1º dia
"- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação."
(de Poética, Manuel Bandeira, declamado por Adriana Calcanhotto no show de abertura)

2º dia
"O amor é meu. Eu dou prá quem eu quiser."
(Domingos Oliveira, arrebatado, na mesa Separações)

3º dia
"O melhor conselho que você pode dar ao seu filho é que ele deve pensar com a própria cabeça."
(Richard Dawkins, comentando o doutrinamento religioso das crianças)

4º dia
"Para mim o trabalho poético é 100% inspiração e 100% transpiração. Não consigo separar as duas coisas."
(Eucanaã Ferraz, na única mesa de poetas)

5º dia
"Ele gostava de artes, e pouco antes de morrer disse que queria deixar para os filhos o amor das coisas belas..."
(Lobo Antunes, falando do seu pai, na melhor e mais inspirada mesa da flip)

6º dia
"Eu tinha que apagar a luz, esperar, esperar, e mesmo assim, levei anos para conseguir dizer que eu o amava."
(Catherine Millet, na mesa As sem-razões do amor)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O último poema

Assim eu quereria o meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
.
Manuel Bandeira
(Libertinagem)

Improviso

Para Odylo e Nazareth
.
Por ser quem era e filho de quem era,
Eu queria-lhe bem. Pouco eu sabia
Do que no coração ele trazia.
Era discreto. A sua primavera
.
Não gritava. Tranquilo em sua espera,
Não se apressava. O que é que pretendia?
Fazer o bem aos outros, e o fazia:
Pelos que amava tudo, e a vida, dera.
.
E a noite veio em que, quando contente
Findava ele o seu dia, a sorte fera
Lhe surgiu de improviso pela frente.
.
E o que pelos que amava a vida dera,
Pela que a amava a deu valentemente,
Por ser quem era e filho de quem era.
.
Manuel Bandeira
(Estrela da Tarde)